Diálogo expositivo

Janeiro -2012

Estava quente naquele quarto. Quente quase insuportável, aquele mormaço que entra pelo nariz e condensa tudo por dentro, as paredes encardidas e a luz do sol entrando pelas cortinas. Parecia um quarto de filme, daqueles filmes em que o mocinho americano está perdido em alguma cidadezinha da Colômbia e está curando a própria ferida de tiro-

Ela estava deitada de bruços, o corpo todo marcado, as unhas lascadas, o cabelo bagunçado fazendo um leque no travesseiro.- Você já viu o jeito que o cara resolveu essa parada na sua tatuagem?

– Hm?

O isqueiro raspou na pele dela – quase queimando.

– Legal. Olha depois.

– Ta muito tarde já?

– Eu preciso ir pra casa.

– Eu também.

– Todas as mulheres deveriam usar calcinha e sutiã assim, combinando. Fica bonito.

– É, estamos vivas apenas para o seu prazer visual.

Ele virou os olhos. Ela também.

– Imagina se eu tivesse uma doença contagiosa. Uma que passasse pela pele assim. Como aquela febre espanhola.

– Não era gripe espanhola?

– Foda-se, você me entendeu.

Ela estava suada. Queria sair daquele quarto e cair numa cidadezinha da Colômbia, ser raptada por um bandido com uma jaqueta de couro, que a enfiaria num carro antigo, a amordaçaria e a prendesse num cativeiro sujo no meio da amazônia.

– Estou com muita preguiça.

– Sério, que horas são?

E aí o bandido a trataria mal no começo, mas no fundo ele seria só um incompreendido e os dois se apaixonariam perdidamente e iram fugir juntos num carro furreca até o fim do mundo–

– Sei lá, como é que eu vou saber?

– Eu preciso me vestir.

Talvez seria melhor se fosse uma cidade fantasma. Se ela saísse e não tivesse mais ninguém – todo mundo tivesse sido morto pela porra da febre espanhola, vai saber, e ela ia andar sozinha pela cidade inteira, entrar em todos os prédios, todas as mansões, acabar com todo o vinho caro de cada uma delas e morrer de coma alcóolico em alguma cama king size em lençóis de seda-

Ela rolou na cama. Estava cheia de sono e precisava de um banho.

– Queria ser teletransportada pra casa agora.

A voz dela estava rouca e repetiu umas trezentas vezes na cabeça dela.

Ela queria sair daquele quarto e cair no céu; andar de nuvem em nuvem sozinha com o vento no rosto – talvez porque ela odiava o vento. Queria que o mundo inteiro coubesse em duzentos minutos de arquivo em vídeo comprimido com o codec certo para rodar em qualquer lugar. Um filme em que ela fosse a protagonista e que o clímax durasse os dois últimos atos.

– Qual é o nome daquele filme que o clímax dura quarenta minutos mesmo?

– Hã? Que filme? Eu não sei.

Ela se levantou. Ele também. Os dois saíram do quarto. Ela caiu num largo qualquer, que já conhecia e tinha que ir pra casa, fazer o mesmo caminho, nos mesmos ônibus.

Ela não foi.

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