Vigésimo primeiro andar. Vigésimo primeiro andar, de novo. Isso aqui é alto pra porra e eu sempre fico com vertigem quando encosto os pés nessa sua parede de vidro. Lá embaixo, um mosaico bruxeleante de milhares de luzinhas, a perder de vista. São muito quilômetros de horizonte e de todos os lugares em que eu poderia estar, escolhi estar aqui, encostando a testa nessa janela fria. Escolhi sentir vertigem porque é assim que eu sou, eu gosto mesmo do frio na barriga e daqui tenho a impressão que estou flutuando numa nuvenzinha de neon.
Eu acendo um cigarro. Quantas vezes eu parei no último mês mesmo? Deixa pra lá, sempre tive pouca força de vontade quando se trata de prazer e você vir em minha direção agora é prova disso. Você é encrenca. Não tem nada em você que não grite “problema”. E ainda assim estou aqui, porque parece que nos últimos anos tudo que eu faço de melhor é me meter em enrascada, parece até que estou compensando pelos anos de boa menina, não faço nada certo, então pode andar logo com isso, porque pra quem já está fodida um pouquinho mais perto do abismo não é nada. Me pega com força, diz pra mim que você adora me ver desfilando de calcinha pelo seu apartamento, que você sabe que eu passei aquele óleo vagabundo nas pernas só pra te agradar e que você sabe que eu roubei uns analgésicos no seu banheiro e que você gosta mesmo é das maníacas-depressivas, é das desesperadas, é das descontroladas, é das malucas com fogo de mais pra corpo de menos, que você não imagina o quanto o meu abismo por dentro quer te engolir, que você não faz ideia o quanto minha carne está faminta para ser devorada, e você sabe bem (bem demais) que o estrago que eu faço é tipo broca no meio do peito então anda, fala no meu ouvido tudo que eu quero ouvir, diz que você ama me ver assim, amassada e esfarrapada toda desconstruída só pra você, e meu Deus, eu perdi tanto, tanto a noção do perigo, que estar nos seus braços é o mesmo que me sentar na sua janela gigantesca e me pendurar pra baixo e eu sei, mas eu quero mais, quero as luzes piscando flash flash flash enquanto você me mastiga. Eu escolhi estar aqui então me dá tudo que eu quero, que nesse cômodo o mundo lá fora é só um amontoado de luzinhas tremeluzentes e eu existo quando entre eu e você não tem nada além de suor e breu.
Você é encrenca. Não tem nada em você que não grite “problema”. – entendo 1000%
acho que esse é um dos seus melhores textos Anebs
Adorei