Que não sejamos donas dos nossos corpos
Que não sejamos donas da nossa voz
Que sejamos eternamente portadoras do pecado original
Que nunca nos falte quem nos diga o que podemos fazer
Deus nos perdoe
Por nossa ousada existência
Por nossa indolente desobediência
Por nossas vidas enfim
Pequenas, tímidas, espremidas
Que sejamos capazes de esquecer dos nossos desejos
Das nossas vontades
E que saibamos muito bem do nosso lugar
E do be-a-bá que nos entra pelo cu
Que nasçamos e cresçamos lindas
Com quadris largos para o bom parir
E ouvidos surdos para o aleijado ouvir
E que se por acidente colocarmos mais uma de nós no mundo
Que ela ande calada
Que aceite ser castrada
Que não reclame quando tiver a alma estuprada
Diversas vezes pela vida
Que seja dócil ao toque
E fiel ao amor
Que seja então menina moça mulher e velha
Sem levantar a voz nenhuma vez
Para que possa garantir que, quem sabe
Consiga morrer de morte morrida
Serpenteando, escorregadia
De lá pra cá
Para fugir do perigo
De ser quem é
Nunca santa o suficiente
Jamais puta o bastante
Se burra demais já não tem valor
Mas que também não se atreva ser opinante
Que consigamos cumprir
Uma vida decente sem que ninguém descubra
As falhas e os ímpetos por dentro
Que são sentença de morte
Em qualquer parte em nos encontremos
E assim, nosso senhor, nos guie
Desde o momento em que nascemos
Deus, tem piedade de nós.