
Abri a janela. Berlim entrou me fustigando com seu vento gelado de inverno, jaqueta de couro, uma garrafa de Club Mate Vodka na mão. Roubou meu último cigarro sem a menor cerimônia.
– Ei! – Eu protestei, ela não deu atenção. Saiu examinando meu quarto, se largou numa cadeira.
– E então, dona Ana Pimenta, Pimenta Cítrica… Está de volta? – Fiz que sim dando de ombros. – E agora, fica de vez? Ou decidiu que é nômade por natureza?
– Não decidi nada.
– E já achou o que veio procurar aqui?
– Estou quase.
– Eu acho que dessa vez você fica.
– É mesmo?
– Eu acho. Acho que você pode até tentar fugir de quem é, mas não tem jeito. Você tem talento natural pra falta de limite, pra autodestruição, para almoçar álcool e jantar cigarros, pra se perder em hedonismo até esquecer quem foi um dia.
Eu recostei na cadeira. Em outros tempos, aquele tom assertivo teria me intimidado. Não mais.
– Será? Será que eu sou só isso mesmo? Não sei… E também não estou muito certa que você seja só isso. Acho que tem muito mais que você esconde.
– Por quê? Você esconde muita coisa?
– Mostro pra quem vale a pena.
Ela se inclinou na cadeira, soprou a fumaça no meu rosto, estreitou o olhar.
– Pra mim vale a pena?
– Tá tarde. Tá frio. A gente conversa outra hora.
Fechei a janela, a expulsei dali. Ela podia esperar até amanhã. Agora, nenhuma cidade, nenhuma pessoa, nenhuma decisão.
Só o silêncio do meu universo particular.