Enxuguei as lágrimas, acendi mais um cigarro. Bom, meu sono já era. Talvez eu devesse assistir Netflix pra distrair a cabeça. Talvez eu devesse ir até um Späti e comprar uma garrafa de vodca pra tomar de guti guti até entrar em coma alcoólico. Quando eu olhei para o lado, Berlim estava no canto do quarto, as mãos nos bolsos da jaqueta de couro e aquele sorriso infeliz de sempre.
– Ah, não. Outra vez? Cê não tá vendo que não é uma boa hora?
– Tô. Eu acho que é bem feito. Foi arranjar sarna pra se coçar, e quer que eu sinta pena de você? Não sinto nem um pouco.
– Vai tomar no cu. Eu não te convidei. Não preciso de você aqui pra me espezinhar.
Ele se sentou na cadeira com aquele mesmo jeito afetado insuportável.
– Engraçado essa história de não te convidei. Não era você que me queria?
– Eu só quero ficar sozinha.
– Quantas vezes, Ana? Quantas vezes você esteve nessa exata mesma situação? Quantas vezes mais? Você quer que eu sinta pena, eu não sinto. Você sente pena de você mesma por nós dois.
– Pra alguém descolado, seu discurso é bem de autoajuda americano. Já disse, não quero ouvir.
– Olha pro lado. Não tem mais ninguém aqui. Só tem nós dois. Sempre foi só nós dois.
O silêncio é tão alto que é quase um barulho. Nem um carro, nem uma folha, nem uma buzina. A noite é estática. Ele tem razão.
– Vem cá. – Ele aponta para o colo. Eu dou um muxoxo irritado. – Gostei das trancinhas.
– Apareceu aqui só pra comentar meu penteado?
– Vem aqui. Por que você resiste tanto a tudo? Para de resistir. Para de fazer tanta força.
Reconheci a derrota, fui cambaleando para o colo dele, humilhada. Não era pra ser assim. Era para a gente dar as mãos, sair por aí, viver aventuras.
Chorei mais. Chorei muito. Nem um pio, nem um alívio, nem uma anestesia.
– Dói, né? Olha pra mim. – Eu resisti. Ele me puxou pelas trancinhas. Me fez encarar os seus olhos azuis frios e cruéis. – Até quando a gente vai brincar de gato e rato? O que você quer? Você me queria, e eu estou aqui. Não tem mais ninguém. Ouviu? Nunca teve mais ninguém. Sou só eu. Sempre foi.
Desci do colo dele. A gente entrelaçou os dedos. As mãos dele eram frias e úmidas, como as de um cadáver. Mas ele tinha razão, nunca houve mais ninguém.
Levei Berlim pra cama, deixei ele me ninar em silêncio, me julgando baixinho enquanto eu chorava mais.
Pela primeira vez, adormeci nos seus braços.
Pelas formas frias da arte, Ana me disse: só as palavras não bastam. A gente sucumbe se não se defender.