
Moro em Berlim há três anos, e a experiência de comprar a pílula do dia seguinte por aqui foi um tanto surpreendente e estressante, por isso resolvi compartilhar com vocês.
Como contei em alguns vlogs, tomei anticoncepcional por quase dez anos, e decidi parar logo que me mudei para a Alemanha. Estava sentindo que a pílula me fazia mal, e parei de tomá-la por uma decisão consciente. Foi uma das melhores decisões que eu já tomei, mas isso é assunto para outro post. Fato é, que por conta disso, nunca havia precisado tomar a pílula do dia seguinte enquanto morava no Brasil.
Mesmo assim, conhecia bem o procedimento, porque acompanhei amigas que precisaram do tal “plano B”. Então eu sempre tive na cabeça que era uma coisa muito simples; só chegar na farmácia, pedir, e comprar. A pílula do dia seguinte também é bem barata no Brasil. Morando aqui na Alemanha, eu tinha na minha cabeça que o processo seria igualmente – ou até mais simples. Mas tive uma grande surpresa quando precisei deste recurso de emergência.
Foi numa tarde de domingo, em silencioso desespero, que eu fui fazer a pesquisa. A camisinha tinha estourado na noite anterior e para piorar, eu estava justamente no meu dia fértil. Decidi que ia tomar a pílula do dia seguinte pela primeira vez, abri o Google para descobrir onde poderia comprar. E foi aí que eu vi que a coisa não é tão simples assim.
Na Alemanha, é preciso passar por uma entrevista para comprar a pílula do dia seguinte
Quer dizer, já melhorou muito. Até 2015, a pílula não era vendida sem receita. Hoje em dia é possível comprar diretamente nas farmácias. Porém, pra isso, é preciso passar por uma entrevista com o farmacêutico, que tem o direito legal de negar a venda caso julgue conveniente.
A entrevista é uma coisa automática. Claro que é um pouco constrangedor, mas no meu caso, como já tinha lido a respeito, estava preparada. O farmacêutico me perguntou o motivo da necessidade da pílula do dia seguinte, se eu estava ciente de como funcionava, se eu já tinha tomado alguma vez antes e quando, meus hábitos em geral e meus hábitos sexuais, além de algumas perguntas sobre o histórico de saúde da minha família.
Depois de responder tudo, ele me explicou o funcionamento da pílula, me perguntou se eu entendia que era um procedimento emergencial e não podia ser usado como anticoncepcional regularmente, orientou que eu poderia ter efeitos colaterais, e me alertou que caso eu vomitasse nas próximas três horas iria precisar tomar outra vez.
Na hora de pagar, mais uma surpresa: O preço. Um pouco mais de 30 euros, o que é bastante. Para se ter uma ideia, eu gasto em média 20 numa compra de supermercado semanal. No Brasil, a pílula do dia seguinte é subsidiada – e também deve ser oferecida gratuitamente pelo SUS. Por aqui, até absorventes são taxados como itens de luxo, então não é de se surpreender que o preço seja alto.

Tomar a pílula foi uma experiência bem ruim, para ser sincera. Primeiro que eu não menstruei de cara como geralmente acontece – na verdade minha menstruação atrasou por dois meses, e eu fiquei totalmente paranoica que tinha engravidado mesmo as chances sendo pequenas. Depois que eu senti que ela deixou meu corpo super desregulado, e eu fiquei bem esquisita e indisposta por um tempão. É óbvio que a pílula do dia seguinte é um recurso que deve ser usado apenas em casos de emergência.
A pílula do dia seguinte é um recurso importante – mas como lidar com ele?
Essa história toda me deixou pensando muito. Afinal, o aborto é legalizado aqui na Alemanha, e na minha experiência pessoal, eu sinto muito mais igualdade de gênero no meu dia-a-dia do que no Brasil. Ainda assim, sinto que estamos mais avançados com a pílula do dia seguinte, mesmo a saúde reprodutiva da mulher sendo o maior tabu do mundo!
Dificultar o acesso é uma coisa boa? No fim das contas, a entrevista foi constrangedora porém indolor, e o farmacêutico me deu informações preciosas para eu poder administrar a pílula de maneira responsável e eficaz. MAS não podemos esquecer que eu estou em Berlim. A cidade mais liberal da Alemanha, de longe. O poder de negar a compra pode não significar muito aqui, uma das capitais do hedonismo do mundo, mas em cidades menores e redutos católicos, pode sim ser um problema.
Enfim, eu não tenho nenhuma conclusão sobre o assunto. Queria dividir minha experiência, para brasileirxs que precisem comprar a pílula do dia seguinte em terras germânicas saberem o que esperar. A melhor prevenção continua sendo sempre o uso do preservativo, mas que eu estou aliviada que a pílula do dia seguinte existe, ah, pode ter certeza que estou.
E no Brasil, com a criminalização do aborto, ela se torna mais importante ainda.