Conheci a Michi num bar no oeste da cidade. Ela chegou, cabelos curtos e loiros, jeito de nova-iorquina, também recém-chegada à Berlim. Eu ainda estava sem saber direito os meus lugares, me perdia quase toda vez que saía de casa, e andava com uma angústia sem saber se afinal vir pra cá tinha sido a decisão certa.
Dizem que é difícil fazer amigos depois de adulto, mas vai ver , eu tenho sorte.
A Michi tem olhinhos claros muito vivos, e ela parece aquelas meninas que a gente vê nas ilustrações dos contos de Grimm. Às vezes ela derrapa um pouquinho no Português, deixa escapar um sotaque que mostra que ela saiu do Brasil faz muito tempo. E a Michi é cool. Se eu já conheci alguma cool girl na minha vida, ela foi a Michi.
Mas, mais do que qualquer outra coisa, a Michi é destemida. Parece que ela nunca tem medo de nada. Pode ser pular de paraquedas, pode ser ir sozinha para uma ilha no Irã, pode ser se desmontar pra montar de novo. Ela vai. Vai com tudo, mas também com leveza, uma curiosidade insaciável, uma vontade infinita do novo.
Costumo brincar que ela tem as ideias e eu tenho o entusiasmo. Do lado dela eu me sinto mais corajosa. Do lado dela eu me sinto mais livre.
A Michi também é meu colo, meu abraço, meu alento. Nos momentos de mais dor, mais do que eu achei que poderia suportar, ela veio me carregar. Às vezes eu nem preciso falar nada, e ela já sabe, sabe que eu preciso de um cafuné, de um carinho, de um porre fenomenal daqueles que a gente gasta o salário no bar sem nem saber com o quê.
Michi vive dizendo que um dia vai embora – e eu sei que um dia ela vai mesmo. A gente é do mundo, e isso nunca vai mudar.
Mas quando ela for, espero que ela saiba que ela foi um dos maiores presentes que essa cidade podia me dar.