
Metáfora fácil. Mas não existe uma melhor para o que eu estou sentindo. No meio da aridez e do calcário, da areia infinita, dos galhos retorcidos, de toda a sequidão; uma nuvem estacionada. Imponente, gorda, ameaçadora e linda, um vulcão de água condensada, inundando o sertão.
Gotas grossas que lambem e cobrem as folhas ásperas, os espinhos. Enxurradas de lama que abrem vales na terra. O tremor dos raios e trovões chacoalhando o céu cinza. O cheiro de secura molhada, de cacto ensopado, de solo alagado, o chiado da água que corre, chovendo vitalidade onde já não crescia mais nada.
E eu ali no meio, as costas afundadas no barro quente e úmido, provando o gosto das gotas mornas, lavando minha alma sedenta.
Sei que é um ano difícil pra todo mundo, e não é hora pra egoísmo, mas meu cerrado já tinha se feito caatinga, os troncos se encolhendo e retraindo, os pastos se estendendo, a grama queimando. Então, a tempestade no deserto não me deixa escolha a não ser continuar deitada, imóvel, sabendo que o verde vai voltar e em algum momento, e mesmo que não seja agora, não importa, porque a chuva é tépida, é clemente, é doce, e é a força da minha natureza que deságua em si mesma pra renascer.