Vim do Brasil para Berlim há quatro anos, e nesse tempo, muita coisa aconteceu! Conheci muita gente, comecei a frequentar festas sex positive e divulgar meus contos eróticos. Um balanço da minha vinda pra cá e o que mudou desde então.
Categoria: berlim
Sobre a Michi
Conheci a Michi num bar no oeste da cidade. Ela chegou, cabelos curtos e loiros, jeito de nova-iorquina, também recém-chegada à Berlim. Eu ainda estava sem saber direito os meus lugares, me perdia quase toda vez que saía de casa, e andava com uma angústia sem saber se afinal vir pra cá tinha sido a decisão certa.
Dizem que é difícil fazer amigos depois de adulto, mas vai ver , eu tenho sorte.
A Michi tem olhinhos claros muito vivos, e ela parece aquelas meninas que a gente vê nas ilustrações dos contos de Grimm. Às vezes ela derrapa um pouquinho no Português, deixa escapar um sotaque que mostra que ela saiu do Brasil faz muito tempo. E a Michi é cool. Se eu já conheci alguma cool girl na minha vida, ela foi a Michi.
Mas, mais do que qualquer outra coisa, a Michi é destemida. Parece que ela nunca tem medo de nada. Pode ser pular de paraquedas, pode ser ir sozinha para uma ilha no Irã, pode ser se desmontar pra montar de novo. Ela vai. Vai com tudo, mas também com leveza, uma curiosidade insaciável, uma vontade infinita do novo.
Costumo brincar que ela tem as ideias e eu tenho o entusiasmo. Do lado dela eu me sinto mais corajosa. Do lado dela eu me sinto mais livre.
A Michi também é meu colo, meu abraço, meu alento. Nos momentos de mais dor, mais do que eu achei que poderia suportar, ela veio me carregar. Às vezes eu nem preciso falar nada, e ela já sabe, sabe que eu preciso de um cafuné, de um carinho, de um porre fenomenal daqueles que a gente gasta o salário no bar sem nem saber com o quê.
Michi vive dizendo que um dia vai embora – e eu sei que um dia ela vai mesmo. A gente é do mundo, e isso nunca vai mudar.
Mas quando ela for, espero que ela saiba que ela foi um dos maiores presentes que essa cidade podia me dar.
Comprando a pílula do dia seguinte na Alemanha
Para comprar a pílula do dia seguinte na Alemanha, é preciso passar por uma entrevista. Conto a minha experiência com tudo que você precisa saber.
Moro em Berlim há três anos, e a experiência de comprar a pílula do dia seguinte por aqui foi um tanto surpreendente e estressante, por isso resolvi compartilhar com vocês.
Como contei em alguns vlogs, tomei anticoncepcional por quase dez anos, e decidi parar logo que me mudei para a Alemanha. Estava sentindo que a pílula me fazia mal, e parei de tomá-la por uma decisão consciente. Foi uma das melhores decisões que eu já tomei, mas isso é assunto para outro post. Fato é, que por conta disso, nunca havia precisado tomar a pílula do dia seguinte enquanto morava no Brasil.
Mesmo assim, conhecia bem o procedimento, porque acompanhei amigas que precisaram do tal “plano B”. Então eu sempre tive na cabeça que era uma coisa muito simples; só chegar na farmácia, pedir, e comprar. A pílula do dia seguinte também é bem barata no Brasil. Morando aqui na Alemanha, eu tinha na minha cabeça que o processo seria igualmente – ou até mais simples. Mas tive uma grande surpresa quando precisei deste recurso de emergência.
Foi numa tarde de domingo, em silencioso desespero, que eu fui fazer a pesquisa. A camisinha tinha estourado na noite anterior e para piorar, eu estava justamente no meu dia fértil. Decidi que ia tomar a pílula do dia seguinte pela primeira vez, abri o Google para descobrir onde poderia comprar. E foi aí que eu vi que a coisa não é tão simples assim.
Na Alemanha, é preciso passar por uma entrevista para comprar a pílula do dia seguinte
Quer dizer, já melhorou muito. Até 2015, a pílula não era vendida sem receita. Hoje em dia é possível comprar diretamente nas farmácias. Porém, pra isso, é preciso passar por uma entrevista com o farmacêutico, que tem o direito legal de negar a venda caso julgue conveniente.
A entrevista é uma coisa automática. Claro que é um pouco constrangedor, mas no meu caso, como já tinha lido a respeito, estava preparada. O farmacêutico me perguntou o motivo da necessidade da pílula do dia seguinte, se eu estava ciente de como funcionava, se eu já tinha tomado alguma vez antes e quando, meus hábitos em geral e meus hábitos sexuais, além de algumas perguntas sobre o histórico de saúde da minha família.
Depois de responder tudo, ele me explicou o funcionamento da pílula, me perguntou se eu entendia que era um procedimento emergencial e não podia ser usado como anticoncepcional regularmente, orientou que eu poderia ter efeitos colaterais, e me alertou que caso eu vomitasse nas próximas três horas iria precisar tomar outra vez.
Na hora de pagar, mais uma surpresa: O preço. Um pouco mais de 30 euros, o que é bastante. Para se ter uma ideia, eu gasto em média 20 numa compra de supermercado semanal. No Brasil, a pílula do dia seguinte é subsidiada – e também deve ser oferecida gratuitamente pelo SUS. Por aqui, até absorventes são taxados como itens de luxo, então não é de se surpreender que o preço seja alto.
Tomar a pílula foi uma experiência bem ruim, para ser sincera. Primeiro que eu não menstruei de cara como geralmente acontece – na verdade minha menstruação atrasou por dois meses, e eu fiquei totalmente paranoica que tinha engravidado mesmo as chances sendo pequenas. Depois que eu senti que ela deixou meu corpo super desregulado, e eu fiquei bem esquisita e indisposta por um tempão. É óbvio que a pílula do dia seguinte é um recurso que deve ser usado apenas em casos de emergência.
A pílula do dia seguinte é um recurso importante – mas como lidar com ele?
Essa história toda me deixou pensando muito. Afinal, o aborto é legalizado aqui na Alemanha, e na minha experiência pessoal, eu sinto muito mais igualdade de gênero no meu dia-a-dia do que no Brasil. Ainda assim, sinto que estamos mais avançados com a pílula do dia seguinte, mesmo a saúde reprodutiva da mulher sendo o maior tabu do mundo!
Dificultar o acesso é uma coisa boa? No fim das contas, a entrevista foi constrangedora porém indolor, e o farmacêutico me deu informações preciosas para eu poder administrar a pílula de maneira responsável e eficaz. MAS não podemos esquecer que eu estou em Berlim. A cidade mais liberal da Alemanha, de longe. O poder de negar a compra pode não significar muito aqui, uma das capitais do hedonismo do mundo, mas em cidades menores e redutos católicos, pode sim ser um problema.
Enfim, eu não tenho nenhuma conclusão sobre o assunto. Queria dividir minha experiência, para brasileirxs que precisem comprar a pílula do dia seguinte em terras germânicas saberem o que esperar. A melhor prevenção continua sendo sempre o uso do preservativo, mas que eu estou aliviada que a pílula do dia seguinte existe, ah, pode ter certeza que estou.
E no Brasil, com a criminalização do aborto, ela se torna mais importante ainda.
Oito de Março – A luta ainda não acabou
Para o dia internacional da mulher deste ano, tive a honra de contribuir para um documentário sobre a luta feminista nos dias de hoje produzido pelo canal de televisão berlinense Alex TV.
O documentário tem meia hora e participação de mulheres de diversas partes do mundo, e eu fiquei muito feliz de fazer parte (e também adorei muito o resultado). O vídeo é em inglês e alemão (minha parte está em inglês), com legendas em alemão, caso alguém se interesse em conferir:
E você também pode ver o meu post especial sobre o dia da mulher, incluindo vlog, clicando aqui.
Vlog – Como são as baladas de fetiche em Berlim?
A cena noturna de Berlim se tornou uma lenda – sexo, drogas e tecno, num ambiente de puro hedonismo. Mas o quanto disso é verdade, e o que significa ter tanta liberdade assim? Um pouquinho da minha experiência pessoal na cena de baladas de fetiche aqui em Berlim, e o quanto frequentá-las tem me feito repensar minha sexualidade.
Ficou curioso sobre as festas? Quer saber mais? Alguns links bons para se informar:
Instagram da Pornceptual – http://instagram.com/pornceptual
https://thump.vice.com/en_us/article/qkaz8v/pornceptual-berlin-queer-sex-party
https://fizzymag.com/articles/berlin-party-self-destructive
Vlog – #Kommstdumit – Meu segundo primeiro de maio em Berlim!
O meu segundo primeiro de maio aqui em Berlim foi ainda melhor do que o primeiro – apesar da data estar se tornando cada vez mais um festa e não um dia de protestos, é uma das grandes tradições em que todo mundo sai para a rua para ocupar cidade 🙂
Vlog: #Kommstdumit – Uma tarde pelo meu bairro em Berlim (Schöneberg)
Olá, pessoas! No vlog dessa semana, resolvi fazer um passeio pelo meu bairro aqui em Berlim, Schöneberg, para onde me mudei faz pouco mais de um ano. Pode não ser um dos bairros mais hypados daqui como Kreuzberg ou Neukölln, mas é cheio de cantinhos deliciosos, e eu cada vez mais me sinto em casa por aqui. Passei pelos meus lugares preferidos no vídeo, pra mostrar um pouco da minha rotina num dia preguiçoso de folga 🙂
Uma noite de abril
Enxuguei as lágrimas, acendi mais um cigarro. Bom, meu sono já era. Talvez eu devesse assistir Netflix pra distrair a cabeça. Talvez eu devesse ir até um Späti e comprar uma garrafa de vodca pra tomar de guti guti até entrar em coma alcoólico. Quando eu olhei para o lado, Berlim estava no canto do quarto, as mãos nos bolsos da jaqueta de couro e aquele sorriso infeliz de sempre.
– Ah, não. Outra vez? Cê não tá vendo que não é uma boa hora?
– Tô. Eu acho que é bem feito. Foi arranjar sarna pra se coçar, e quer que eu sinta pena de você? Não sinto nem um pouco.
– Vai tomar no cu. Eu não te convidei. Não preciso de você aqui pra me espezinhar.
Ele se sentou na cadeira com aquele mesmo jeito afetado insuportável.
– Engraçado essa história de não te convidei. Não era você que me queria?
– Eu só quero ficar sozinha.
– Quantas vezes, Ana? Quantas vezes você esteve nessa exata mesma situação? Quantas vezes mais? Você quer que eu sinta pena, eu não sinto. Você sente pena de você mesma por nós dois.
– Pra alguém descolado, seu discurso é bem de autoajuda americano. Já disse, não quero ouvir.
– Olha pro lado. Não tem mais ninguém aqui. Só tem nós dois. Sempre foi só nós dois.
O silêncio é tão alto que é quase um barulho. Nem um carro, nem uma folha, nem uma buzina. A noite é estática. Ele tem razão.
– Vem cá. – Ele aponta para o colo. Eu dou um muxoxo irritado. – Gostei das trancinhas.
– Apareceu aqui só pra comentar meu penteado?
– Vem aqui. Por que você resiste tanto a tudo? Para de resistir. Para de fazer tanta força.
Reconheci a derrota, fui cambaleando para o colo dele, humilhada. Não era pra ser assim. Era para a gente dar as mãos, sair por aí, viver aventuras.
Chorei mais. Chorei muito. Nem um pio, nem um alívio, nem uma anestesia.
– Dói, né? Olha pra mim. – Eu resisti. Ele me puxou pelas trancinhas. Me fez encarar os seus olhos azuis frios e cruéis. – Até quando a gente vai brincar de gato e rato? O que você quer? Você me queria, e eu estou aqui. Não tem mais ninguém. Ouviu? Nunca teve mais ninguém. Sou só eu. Sempre foi.
Desci do colo dele. A gente entrelaçou os dedos. As mãos dele eram frias e úmidas, como as de um cadáver. Mas ele tinha razão, nunca houve mais ninguém.
Levei Berlim pra cama, deixei ele me ninar em silêncio, me julgando baixinho enquanto eu chorava mais.
Pela primeira vez, adormeci nos seus braços.
Diálogo imaginário
Abri a janela. Berlim entrou me fustigando com seu vento gelado de inverno, jaqueta de couro, uma garrafa de Club Mate Vodka na mão. Roubou meu último cigarro sem a menor cerimônia.
– Ei! – Eu protestei, ela não deu atenção. Saiu examinando meu quarto, se largou numa cadeira.
– E então, dona Ana Pimenta, Pimenta Cítrica… Está de volta? – Fiz que sim dando de ombros. – E agora, fica de vez? Ou decidiu que é nômade por natureza?
– Não decidi nada.
– E já achou o que veio procurar aqui?
– Estou quase.
– Eu acho que dessa vez você fica.
– É mesmo?
– Eu acho. Acho que você pode até tentar fugir de quem é, mas não tem jeito. Você tem talento natural pra falta de limite, pra autodestruição, para almoçar álcool e jantar cigarros, pra se perder em hedonismo até esquecer quem foi um dia.
Eu recostei na cadeira. Em outros tempos, aquele tom assertivo teria me intimidado. Não mais.
– Será? Será que eu sou só isso mesmo? Não sei… E também não estou muito certa que você seja só isso. Acho que tem muito mais que você esconde.
– Por quê? Você esconde muita coisa?
– Mostro pra quem vale a pena.
Ela se inclinou na cadeira, soprou a fumaça no meu rosto, estreitou o olhar.
– Pra mim vale a pena?
– Tá tarde. Tá frio. A gente conversa outra hora.
Fechei a janela, a expulsei dali. Ela podia esperar até amanhã. Agora, nenhuma cidade, nenhuma pessoa, nenhuma decisão.
Só o silêncio do meu universo particular.
Vlog: #Kommstdumit – Réveillon em Berlim!
A passagem do ano novo é uma das datas comemorativas mais sem limites na Alemanha. Tem álcool, tem frio e muitos, muitos, MUITOS fogos. Vem acompanhar comigo o meu segundo réveillon nessa cidade gelada.