Esses dias minha terapeuta me disse, “sua vida está ficando tão normal, né, Ana?” Não soube o que dizer. É verdade que essa normalidade às vezes me causa uma estranheza absurda. Espera, como assim, está tudo bem? Não pode ser verdade. Alguma coisa tem que estar para dar errado, porque eu sempre aprendi que na minha vida toda alegria será castigada.
A normalidade é conquistada, e eu paguei caro por ela. Fiz de tudo para me sentir em paz, e agora que tenho paz, não sei o que fazer com essa sensação. Às vezes eu olho pra trás, e sinto tudo de uma vez. Penso em como meus amigos e eu estamos adultos, cada um traçando o próprio caminho, e sou grata por mesmo assim tê-los na minha vida. Não dá pra negar que estou envelhecendo, o potencial de antes vai se tornando experiências concretas, mas é difícil, porque em muitos aspectos, pra mim, a vida acabou de começar.
Vivi tanto tempo em modo sobrevivência que sentir contentamento me deixa anestesiada. Sei que muita gente teve circunstancias muito piores que eu, tenho consciência que tive muitos privilégios – e nem falo só de privilégios materiais. Mas minha experiencia enquanto pessoa foi amarga e assustadora, foi sempre uma grande ameaça, um grande torpor.
Não estou dizendo que eu aprendi totalmente a ser feliz – se é que eu vou realmente aprender um dia, acho que é da minha natureza ser pra sempre um tanto melancólica, um tanto desconfiada, um tanto desiludida. Mas eu quero estar aqui e agora, ando descobrindo que a realidade pode ser sim melhor que a fantasia. Sem papo de new age, não sou dada à filosofia hippie, mas estar presente é a única coisa que faz sentido, é a única coisa que vale a pena, só que pra isso a gente precisa ter uma realidade em que estar presente seja seguro e só aí, talvez, quem sabe – a vida comece de verdade.
Vou te dizer que não esperava, mas você já sabe. Ando muito arredia e avessa, mais cética do que jamais fui, mas de repente me pego com a cabeça nas nuvens, o coração aos saltos, energia para atravessar a cidade de um canto a outro umas dez vezes por dia.
Se eu te disser que dessa vez é diferente, será que você acredita? Será que eu acredito?
Depois de me enfiar na névoa tantas vezes que perdi a conta, sentimentos arrebatadores e confusos, intensos demais, parece que tudo é tão claro que eu vejo em alta definição, as nossas promessas e os nossos desejos, os nossos medos e as nossas falhas, as nossas lembranças e segredos.
E eu sei que nada dura, ninguém nunca fica, já me acostumei, mas dessa vez, me pego desejando que você fique mais, mais um pouco, mais que um pouco, muito mais, mesmo com tantas barreiras, mesmo a gente sendo improvável, quem sabe a gente não consegue fazer dar certo, como você divaga. Não vá embora assim que eu me entregar, estou cansada de ser só um desafio, você não imagina o quão solitário ser a tal da mulher incrível pode chegar a ser, fica mais um pouco, me conta do seu dia, me fala dos seus sonhos, que eu estou fazendo malabarismo na minha cabeça para não deixar minha insegurança envenenar tudo dessa vez, me deixa deitar no seu colo, me faz um carinho e me deixa sentir tudo que eu quero sentir que eu não sei por quanto tempo mais eu consigo me segurar.
Uma das coisas que eu mais gosto em aprender línguas é que a gente ganha novas ferramentas pra explicar o mundo ao nosso redor. Tem coisas que a gente sente ou sabe, mas na nossa língua elas não têm nome, e aí a gente descobre magicamente que existem em outra língua e parece que o mundo ganha uma nova pecinha.
Gosto muito, por exemplo, da palavra infatuation do inglês, que é usada para descrever aquela sensação de paixão passageira ou crush em bom português, mas que tem uma conotação de sentimento intenso e fugaz que não tem paralelo na nossa língua. Ou a sobremesa do espanhol, que não significa necessariamente quitutes docinhos, mas sim aquele papo que se segue a uma boa refeição e pode se estender por horas. Nunca entendi como não temos tradução para essa palavra em mineirês, sendo que nós mineiros somos especialistas em sobremesear.
Os alemães são campeões em dar nome pra tudo; pode pensar nas coisas mais específicas que elas vão ter alguma averbação em alemão (de preferência com muitas consoantes todas juntas). Fernweh, por exemplo, descreve o desejo intenso de se estar longe, sentimento esse que precisamente que me trouxe para a Alemanha quase dois anos atrás.
Mas de todas essas palavras que as outras línguas me trouxeram talvez nenhuma me fascine tanto quanto longing.
O Google me diz que o significado de longing é “yearning desire“, que por sua vez pode ser traduzido literalmente como “desejo ansiado”.
Hmmm, desejo ansiado.
O que mais me pega nessa palavra é justamente o sentimento que ela descreve. É um tipo de desejo tão intenso que queima. Aquele sentimento de querer tão desesperadamente que dói por dentro, dói lá no fundo, em algum lugar que fica mais ou menos atrás do umbigo.
Sabe?
Eu acho que poucas sensações me fazem me sentir tão viva quanto longing. Me aperta no ventre, mexe com meu instinto mais primário de querer, querer e ponto, sem justificativas ou racionalizações.
É uma emoção que se basta.
Chego à conclusão que talvez seja essa uma das minhas emoções preferidas na vida; longing aparece no olhar, contamina a voz, o toque, até a respiração. É uma emoção poderosa, incontrolável.
Senti longing por inúmeras coisas e pessoas, muitas vezes também ansiei dessa maneira extremada por outras emoções. Poucas vezes me senti na outra ponta deste sentimento, mas aí vale lembrar que eu sou insegura e um pouco cega, e me falta sensibilidade para detectar determinadas coisas.
Mas minha vaidade não me deixa mentir que ser objeto de longing me parece mais sedutor que ser objeto de paixão, admiração, tesão, até amor.
Acho que no fim, eu passei e continuo passando a vida toda longing por longing.
e então, meu amigo que adora encher o peito e dizer que é pró-feminismo. Que vai na marcha das vadias, que posta textão no Facebook no dia oito de março, que diz que quer ouvir o nosso lado, que fala por horas de como os seus amigos são machistas, vangloriando-se de não ser igual, que ri complacente quando a gente diz que homem é uma merda.
Eu tenho uma notícia pra você.
Vai chegar uma hora, em algum ponto, que você vai receber uma crítica. Vai chegar uma hora que o machismo que você julga nos outros vai ser apontado em você. Vai chegar uma hora que você vai ouvir algo que não quer. Pode ser uma coisa boba, só um “aquele personagem que você adora em Star Wars é bem machista”. Pode ser que te avisem que você tem mania de interromper a fala das minas. Pode ser que te avisem que aquele comentário que você fez outro dia foi muito desnecessário. Pode ser que te cobrem continuar amigo daquele bróder que tem fama de assediador. Pode ser que te digam que a sua ex se sentiu sim pressionada a fazer aquele aborto.
E aí, meu amigo, o que você vai fazer?
Vai reagir na defensiva, vai negar de primeira, vai rechaçar argumentos? Ou vai parar para ouvir, vai refletir com calma, mesmo que isso signifique ter que aceitar que você não é todo esse cara legal, inatingível que você gosta de achar que é?
Olha só, não é que ninguém está dizendo que você é uma pessoa ruim. Nem que todos os seus esforços em ser nosso aliado vão ser anulados a partir de agora. Mas é o momento em que o feminismo toca nas suas feridas que te define. Ninguém disse que é fácil. Nenhuma mulher aprendeu sobre o feminismo sem se doer. Sem questionar as próprias atitudes. Sem ter que se rever inteira. Ir até o fim é um caminho sem volta; não dá pra fazer sem sacrifício pessoal. A desconstrução tem que ser diária, e às vezes ela é incômoda. E aí, o que me diz? Tá mesmo a fim?
É fácil enxergar os defeitos dos outros homens; separá-los de você e se sentir melhor do que eles. Mas isso nos ajuda muito pouco na luta. O que agrega de verdade é você querer ouvir, estar disposto a rever suas atitudes, a remexer do seu passado, a admitir os erros. Só isso vai ser capaz de te transformar num aliado real. Num homem que na próxima não vai nos diminuir, nos agredir, nos silenciar. O resto, me desculpe, é pura vaidade. Se você quer se unir à nós, saiba que algum dia o feminismo vai bater na sua porta. E você vai ter que decidir se você só quer se sentir especial, ou se quer ver que o machismo está em todos nós. Está em você. E pra poder se livrar dele de verdade, só vai ter um jeito; descobrindo até onde ele vai.
Como eu contei no meu primeiro post sobre perfis de sexo no Instagram, a rede social possibilita a gente achar de tudo. Desde contas com comidas delicias até aquelas com um meme melhor do que o outro, mas engana-se quem pensa que as fotos compartilhadas por lá são só work safe.
Vários perfis dedicam-se a compartilhar conteúdo erótico, diferenciado e original. Corre aqui pra ver como deixar o seu feed muito mais interessante – só cuidado na hora de abrir o aplicativo no trabalho!
Cansou de tudo que é mainstream? Se joga no Lumbre. Lá o foco é erótica feminsta e queer, e as fotos, além de lindas, procuram promover a diversidade e uma relação saudável com o corpo e a sexualidade. Nada melhor para estimular a imaginação.
Quer saber mais sobre gravuras eróticas, mas não sabe por onde começar? O Petite Bohème é o ponto de partida perfeito. A conta francesa tem uma estética incrível e é focada principalmente em desvendar os fetiches e fantasias femininos. Algo que todo mundo sabe, eu vou muito a favor.
Ainda na pegada das gravuras, corre pra seguir a aotearotica. O perfil faz uma curadoria de variados estilos de ilustração, apresentando conteúdo diversificado num feed para todos os gostos.
Bom, eu sou suspeita pra falar, porque frequento a Pornceptual aqui em Berlim assiduamente, maaaas, as fotos compartilhadas pela conta da festa mais decolada que você já viu, além de lindas, propõe uma reflexão sobre o fetiche, trazendo conteúdo queer e usando erotismo como guerrilha social. Imperdível.
Ninguém vai ficar entediado depois de começar a seguir a Jmamuse. Mais do que uma conta no Insta, trata-se de um coletivo de artistas que criam conteúdo erótico de variados estilos. Diversidade é a ordem do dia, não existe restrição a fantasia alguma. Fotos, ilustrações, de artistas do mundo todo. Acredite, você não vai se arrepender de dar uma olhadinha.
Anda numa vibe mais romântica? Então o Regards Coupables foi feito pra você. Um pouquinho mais softcore sem deixar de ser muito sexy, a conta traz conteúdo erótico com uma pitadinha de romance para os apaixonados de plantão.
Mulheres reais fotografadas por uma mulher real, e muitas, muitas tatuagens. Tá esperando o quê pra seguir? As fotos são lindas e o photoshop passa longe.
Misturar erotismo com humor é uma das minhas maneiras preferidas de falar de sexo, vocês sabem. O artista Byron Power faz exatamente isso, com quadrinhos irreverentes, brincando com estereótipos gays sem medo de ser feliz.
O segredo é ir navegando; o Instagram tem conteúdo pra todo mundo, e você com certeza vai achar o seu cantinho de arte erótica preferido. Só não esquece de contar pra gente; conteúdo erótico bom é conteúdo erótico compartilhado.
A minha terra fica muito, muito longe. É preciso sair do continente, dobrar a esquina ali no Atlântico, e descer direto, até um cantinho do mundo em que você achou que já não tinha mais nada.
Só que ela está lá, e é imensa.
Tem prédios enormes, cheiro de peixe nas feiras, ondas que quebram com força na areia, fábricas que empoeiram o ar, música tocando em todos os lugares. Também tem rios mortos, dinheiro manchado de sangue circulando nas ruas, sereno misturado com medo assim que cai a noite.
Mas principalmente, tem gente. Muita gente, provavelmente muito mais do que você já viu na sua vida. Gente que acorda cedo e demora muito pra chegar no trabalho, gente que gosta mais de frio do que calor, gente que fica doente se o time perde, gente que prefere gato a cachorro, gente que fala uma língua só existe lá e que parece uma colcha de retalhos, cheia de meandros e pedacinhos e voltas pra dar conta de tanta ideia diferente. Tanta gente, que nasce, cresce, vive a vida inteira e você nem sabe. Você nem viu.
A minha terra, ela é um soco no peito, ela é um ferro em brasa, ela te atravessa e vai contigo pra todos os lugares, não te deixa esquecer. Eu posso estar aqui, posso me vestir como você, comer como você, beber como você, o tempo pode até apagar meu sotaque, você pode não imaginar. Mas lá no fundo, eu sei exatamente de onde eu vim, e isso me faz ser quem eu sou.
Que loucura isso aqui. Parece que a gente está numa bolha isolada do universo inteiro. O frio na barriga que eu sinto é claustrofóbico. É exaustivo ficar perto de você. Meus nervos ficam tão hiperativos que eu preciso de dias pra me recuperar das ressacas que você me causa.
Parece que o seu toque se encaixa no meu corpo com precisão cirúrgica. Eu estou vendo você me olhar desse jeito como se você achasse que eu sou demais pra você, e quem sabe deve ser mesmo, não é isso que todo mundo acha sempre, então diz. Fala o meu nome. Estala a consoante no céu da boca. Deixa as vogais derraparem nas arestas do seu sotaque. Eu quero ouvir você me chamar, quero ouvir meu nome estourando da sua boca como uma bolha de sabão. Eu quero existir nos seus lábios. Eu quero existir. Eu quero existir nos outros, quero sentir o que eu penso e o que eu sinto faz algum sentido para além dos meus momentos de solidão com a máquina de escrever. Estou cansada de ir, de voltar, de tentar, eu quero me desmontar, eu quero me deixar revirar, eu quero a verdade para além das personalidades inoxidáveis que a gente inventa. Toda história tem sempre dois lados, ninguém é exemplar o tempo todo, não quero ser nada, mais nada, não quero mais nenhum adjetivo chique, eu só quero a invasão do seu beijo febril, a dor do seu toque, todas as filosofias esquecidas no pé da cama. Só você, o meu nome, e as nossas inseguranças, brincando juntas na escuridão.
Essa cara de quem nunca soube se colocar no lugar do outro, e me diz; “Você odeia tanto os homens, porque na verdade odeia ser mulher”.
Pois bem, então vou ser muito sincera. Você está certo. Eu odeio ser mulher.
Eu odeio ser mulher porque desde que nasci soube que minha aparência é muito mais valorizada do que minha capacidade.
Empatia.
Dedicação.
Eu odeio ser mulher porque eu choro sozinha à noite pensando em tudo que está imperfeito no meu corpo. Que não deveria ser assim. Que eu deveria me cuidar.
Mas eu também odeio ser mulher porque se eu te contar isso, você vai dizer que é frescura minha.
Eu odeio ser mulher porque envelhecer dói. Ninguém quer saber da sua sabedoria,da maturidade que os anos trazem.
Só das rugas. Da flacidez. Das manchas.
Eu odeio ser mulher porque eu fui diminuída e silenciada todas as vezes que eu tentei me fazer ouvir. Colocar pra fora minha opinião, meu riso, meu choro, minha criatividade.
Eu odeio ser mulher porque eu sei que pra tantas outras basta isso para se perder o direito à vida.
Eu odeio ser mulher porque só vão me respeitar se eu for mãe ou esposa de alguém.
Eu odeio ser mulher porque não me deixam decidir se eu quero ser mãe ou esposa de alguém.
Mas, principalmente, eu odeio ser mulher porque ser mulher é viver com medo.
É saber que a cada passo, o perigo anda à espreita.
É saber que nenhum lugar é seguro.
Eu odeio muito ser mulher quando eu lembro que todo o meu prazer em estar viva é acompanhado de uma ameaça.
Uma caminhada, um drink gelado numa noite morna, uma paixão, uma viagem, uma risada, um sorriso, um aceno.
Tudo pode ser uma sentença.
Eu odeio ser mulher porque estou sufocada entre agir com cortesia e saber que isso pode ser encarado como convite à violência, ao assédio, à coerção.
Eu odeio ser mulher porque todo o conhecimento do mundo não me protege. Eu ainda sou frágil e vulnerável, e posso morrer como todas as que morrem, todos os dias, por ser mulher.
É quase a mesma coisa. Quando eu esperava o 847P sentindo Itaim Bibi no meio da Lapa, a música alta nos ouvidos, pensando na taça de vinho que me aguardava em casa, é quase a mesma coisa de estar aqui esperando a U7 sentido Rathaus Spandau em Kreuzberg. Só que não é. Porque eu não sou mais a mesma pessoa.
Dizem que quando a gente muda para um lugar novo, a alma chega atrasada. Eu queria um corte brusco; realmente me livrar das coisas e situações que me deixavam segura e confortável, para me redescobrir, longe das características circunstanciais que ameaçavam me engolir. Queria ter coragem para priorizar o que realmente importa para mim.
O processo, porém, é muito mais difícil do que eu tinha imaginado, nas pequenas coisas do dia-a-dia. Queria conhecer pedaços meus que eu não conseguia acessar, mas estar sem a segurança de se cercar de pessoas que sabem quem a gente é é desafiador e desconfortável.
Eu vim, mas minha alma ficou para trás. Talvez com medo de vir também e se transformar em outra coisa – o desconhecido é sempre assustador.
E embora a resistência também tenha sido parte do processo, agora eu vejo que mesmo exacutando as mesmas tarefas simples do cotidiano, minha alma não é mais a mesmo. E às vezes é confuso. Me refazer, redescobrir o que eu gosto e não gosto, quero e não quero, me importo e não me importo.
Às vezes eu acho mesmo que o maior medo sempre foi o de ser livre. Porque eu sempre desejei muito a liberdade, mas eu tinha medo das mudanças que ela podia me causar.
Mas uma coisa é certa; agora que minha alma chegou, se instalou, se contaminou e se transformou, ela não volta a ser a mesma nunca mais.
Acho que esse clichê sempre caiu muito bem para me definir. Minha relação com minha sexualidade sempre foi conflituosa e difícil – ao mesmo tempo que sempre foi parte importantíssima da minha identidade, lidar com isso nunca foi algo natural pra mim.
Fui criada num ambiente bem repressor sexualmente falando – uma família dominada por homens, extremamente machista. Uma escola dominada por preconceitos, extremamente religiosa. Durante toda a minha adolescência, eu fui uma menina magrela, desengonçada, esquisita. Sempre era a última a fazer tudo – a última a beijar, a última a transar – e ainda assim sempre tive de reputação de fácil ou de piranha, apesar de ter uma vida social inexistente – e de ter certeza de que ninguém nem ao menos se interessava por mim para ter a fama de fácil em primeiro lugar. Lembro de ouvir amigas ficando com carinhas cafajestes, que as enrolavam, as usavam, e enquanto elas choravam as pitangas, sentia uma pontada muito clara de inveja – eu não parecia ser boa o suficiente nem para ser usada.
Apesar de tudo, sentia que meu exterior de extrema timidez e introversão eram completamente incompatíveis com a pessoa que eu era por dentro. Eu sempre fui alguém com a libido extremamente alta – desde que descobri o que era sexo gasto a maior parte do meu tempo pensando a respeito. Minha imaginação fértil sempre compensou minha pouco vivência criando fantasias vívidas e sórdidas. Eu desejava ardementemente poder ser a pessoa que eu era – poder externalizar toda essa minha natureza sexual, conseguir colocar pra fora o que estava por dentro.
Como todas essas questões complicadas de personalidade que a gente tem, foi um processo. Foi no início da vida adulta, aos poucos, que fui começando a me sentir à vontade na minha própria pele para dar vazão à minha personalidade. As roupas, o comportamento, tudo que eu tinha para dizer. Fui tirando os meus filtros, um a um, e revelando toda essa vulgaridade que eu tinha por dentro.
Vejam bem,eu advogo vulgaridade. Talvez porque eu não tenho escolha, e acaba sendo uma autodefesa. Talvez porque eu ache mesmo que as coisas que a gente faz sem refinamento, sem pensar demais, sem editar demais, são as mais sinceras. Sempre fui alguém de natureza muito intuitiva e é libertador para mim finalmente dar ouvidos aos desejos que urravam por dentro. Tenho bem claro na minha cabeça que não tem nada de errado em ser assim, porque eu simplesmente sou, é algo que vem tão naturalmente de dentro, que não tem razão de não ser.
Porém, nem sempre é fácil. Para ter coragem de ser que eu sou, pago o preço nas minhas interações sociais. Eu consigo sentir as pessoas ficando desconfortáveis ao meu redor – quando eu falo palavrão demais, quando eu sou muito gráfica em descrever minhas putarias, quando eu me abro demais rápido demais. Nessas horas, eu fico pensando que eu queria muito mesmo conseguir ser uma pessoa reservada e discreta. Que tudo na minha vida seria mais fácil se eu não tivesse essa personalidade hiperbólica e dionisíaca.
Na minha vida amorosa, isso se multiplica. Para começar com o óbvio, digamos que #piranhastambémamam. O fato de eu ser uma pessoa sexualmente libertina, ficar com muita gente, ser aberta à experimentar, não significa que eu não me envolva, ou queira apenas sexo. Enfim, é óbvio, mas parece que não pra todo mundo. Me frustrei muitas vezes sentindo o julgamento de pessoas por quem estava apaixonada. Por muitas vezes fui trocada por um tipo tão específico de mulher que isso me criou um complexo.
Sabe aquelas meninas, discretas, dignas, reservadas, com um comportamento quase blasé, que sempre parecem estar acima de tudo isso? Elas se divertem, bebem, mas sem dar PT. Elas sabem rir de uma piada, mas não alto demais. E principalmente, elas são capazes de amar, mas sem exageros. Elas estão sempre nos cantos, cercadas por uma aura de ~mistério. Logo eu, que sempre me faltou indiferença ao que quer que seja, fui me interessar por gente que gosta deste tipo. Nem preciso falar que não tenho chances.
Nessas horas fica difícil continuar no meu propósito de seguir firme sendo a pessoa que eu sou, apesar dos pesares. Lembro de uma briga horrível que tive com um carinha por quem estava apaixonada. Ele me olhou bem no olho e disse:
– Você é uma ridícula, fica falando um monte de putaria e todo mundo está rindo da sua cara e você nem percebe.
Ele basicamente enfiou a botina em uma das minhas maiores inseguraças. Essas palavras me machuram muito, porque tocaram num dos meus maiores medos: De ser ridícula, por ser como eu sou, assim, vulgar, exagerada, extratosfericamente libidinosa.
Estou apredendo a fazer as pazes com a minha natureza vulgar sem ser sexy, simplesmente porque fingir que eu sou outra pessoa é exaustivo. Aprendendo que eu não posso oferecer para as pessoas o que elas gostariam que eu fosse – essa versão mais light de mim. Apenas o que eu sou. E também que se tem gente que vai me reduzir a isso, paciência. Quem é importante para mim sabe que eu sou sim essa pilha de energia sexual – mas também muito mais do que isso.
Por fim, talvez eu seja sim ridícula, e seja incapaz de não continuar agindo de maneira ridícula. Vou continuar usando roupas estupidamente curtas para a minha idade, ficando com todo mundo que der vontade, falando – e escrevendo! – todas as barbaridades que passam pela minha cabeça. Pelo menos hoje em dia eu consigo dizer que sou muito mais quem eu sempre quis ser – e por enquanto está bom.