Que delícia poder trazer esse papo aqui! A Ida J é uma escritora erótica baseada em Amsterdam talentosíssima, e alguém que eu tenho grande prazer de trabalhar lado a lado na BERLINABLE! Ela foi uma das primeiras autoras recrutadas para o nosso time, e é uma pessoa de personalidade contagiante – a gente “bateu” logo de cara! Resolvemos fazer um papo bem sincero sobre o que significa escrever erótica pra gente, e fiquei muito feliz com o resultado!

Lembro que te conheci pela primeira vez na Pornceptual, estávamos as duas lendo para a BERLINABLE; as duas arrasando de lingerie. Agora eu tenho o prazer de te entrevistar, até porque agora já conheço bem o seu trabalho.
Minha primeira pergunta é; até que ponto você empresta suas experiências pessoais para suas histórias. Acho que todos nós nos inspiramos em nossas vidas, é claro, mas sempre que eu leio suas histórias, fico impressionada com o quanto eu me identifico! São tantos detalhes que ressoam, a coisa toda da assadura no comecinho de Weeknight me vem à mente, por exemplo. Porque é muito real! Me fale um pouco sobre como sua experiência influencia o seu trabalho.
Olha, pra ser sincera, meus contos são 100% inspirados na minha vida! Não sei se é queimação de filme falar isso… Mas é a verdade. Como escritora, eu gosto muito de brincar com as ferramentas que diferentes formatos me dão. Nos meus roteiros, que exigem uma escrita mais técnica e distanciada, a minha experiência pessoal não é a influência mais forte. É claro que é como você falou, como escritores nossa vida sempre influencia o que a gente escreve… Mas nos meus contos eróticos eu realmente pego as minhas noites de sexo e transformo em histórias na maior parte das vezes.
Acho que tem muito de vulnerabilidade, deixar um conto erótico sexy, eu acho que é o formato em que mais faz sentido brincar com nossa experiência pessoal – porque são relatos de fantasias. Então eu uso bastante da minha experiência. Outra coisa que rola nos meus contos é escrever sobre coisas que eu queria que tivessem acontecido e acabaram não acontecendo… é uma maneira de dar vazão ao meu tesão reprimido. Hahaha.
E sobre a parte da assadura… eu acho que o sexo é diversão! Em geral, gosto de colocar um pouco de comédia nos meus contos, deixarem eles próximos da vida real, traduzir o ridículo da sedução também. Gosto de trazer essa leveza nas minhas histórias. Existe muita culpa em relação a sexo, especialmente à sexualidade feminina, então imprimir esse lado engraçado é uma maneira também de me apoderar dos meus desejos.
Depois disso, conte-nos a história de Pimenta, como você começou a escrever erótica? Eu sei que você também escreve sobre o tema da saúde sexual, para você as duas coisas estão relacionadas?
Comecei há muito tempo! Eu escrevo desde criança – escrevi meu primeiro livrinho aos seis anos – e quando entrei na adolescência tudo que era meio picante me deixava interessada. Eu tinha uma tendência muito forte a pensar em sexo desde que descobri o que era, e aos doze anos escrevi o que eu considero minha primeira peça erótica. Era um relato de sonho erótico do ponto de vista de um cara que estava me comendo. E sendo sincera, não é nada fofinho, é bem direto ao assunto! Acho que isso de ter um eu-lírico masculino me deixou mais solta.
Depois disso, durante toda minha adolescência li e escrevi muita fanfic – principalmente as NC-17, que tinham cenas de sexo. Acho que isso formou muito do skillset que uso hoje no meu trabalho.
Sobre a saúde sexual, com certeza as duas coisas estão relacionadas. Pra mim, o problema é que a gente aprende sobre saúde sexual do ponto de vista puramente biológico, é formal e distanciado. Parece que uma coisa são os processos, os cuidados que precisamos ter. Outra totalmente diferente é o tesão, a diversão, aquelas coisas que fazem a gente querer transar de verdade.
No meu ponto de vista, essa separação é a raiz de muitos problemas. Falar sobre camisinha, sobre ISTs, é tabu, é corta-tesão. Acho que não pode ser assim. No meu blog eu faço questão de misturar os dois assuntos – que no fim são a mesma coisa. Tirar este estigma das informações importantes e entender como o desejo e a saúde andam juntos.
Uma das coisas que eu tenho mais orgulho de ter feito na BERLINABLE foi o concurso MAKECONDOMSSEXY, ano passado, justamente por causa disso. Sempre tive vontade de falar do uso de camisinha no contexto da erótica. E fiquei tão feliz que os outros autores entraram na pira! O seu conto, The Madness of Last Night, é uma loucura, porque é cheio de cenas de orgia e sexo louco. E tudo isso promovendo sexo seguro. Não tem que ser uma coisa ou outra.
Voltando ao seu Blog, até que ponto essa paixão pela erótica e pelos tópicos relacionados à sexualidade é algo moral ou político para você? Você acha que é importante que nós, como escritores, tentemos influenciar o que você poderia chamar de cultura sexual – coisas como consentimento, sexo seguro, mas também incentivando as pessoas a experimentar coisas que de outra forma não teriam a oportunidade de experimentar?
Com certeza, e digo isso por experiência própria. Cresci num estado tradicional, minha relação com minha sexualidade era de muita, muita culpa. Pra você ter uma ideia, eu chorava toda vez que me masturbava! Falei inclusive sobre isso no meu canal do YouTube.
Comecei a fazer o blog porque queria ser a mulher que eu precisava quando eu era mais nova. Quanta culpa eu teria deixado de sentir se na época das minhas descobertas houvesse uma mulher que falasse de maneira natural sobre sexo. Sem culpa. Acho muito importante naturalizar os nossos desejos, especialmente para meninas mais novas.
E também aprendi muito sobre sexo lendo e escrevendo erótica – muito antes de começar a fazer! Aprendi sobre consentimento, sobre teoria queer, sobre fetiches… essas informações foram muito preciosas na minha formação, mudaram minha visão sobre o sexo, sobre meu corpo e sobre os meus desejos. E eu descobri muitos fetiches lendo sobre as fantasias de outros!
Acho que a erótica é uma ferramenta muito poderosa para conhecermos outras maneiras de viver o sexo. E eu sinto que esse é um legado que preciso passar para frente no meu trabalho. Foi introduzida a muita coisa que revolucionou minha vida sexual por outros autores; hoje em dia penso que falando das minhas fantasias e experiências de maneira totalmente franca, posso fazer o mesmo pelos meus leitores.
Já que estamos falando dessa questão política e da franqueza sobre a posição ideológica, estou interessada em ouvir sua posição sobre o anonimato no que diz respeito à escrita erótica.
Isso é totalmente pessoal. Na BERLINABLE temos vários autores que escrevem com um pseudônimo, e vários que usam o nome real. Acho que depende da vida que a pessoa leva. Essa é a liberdade que a erótica garante; ela te permite viver fantasias num mundo que pode estar descolado das dificuldades do dia-a-dia.
Para mim em particular, foi uma decisão pensada. Eu já tinha o blog, mas era uma coisa mais pessoal. Escrevia contos, mas não divulgava. Eu morava em São Paulo, trabalhava na área de comunicação, e estava muito infeliz por não poder ser sincera em relação aos temas que eram importantes pra mim.
Quando decidi largar meu emprego e vir para Berlim, tomei também a decisão de começar a divulgar meus contos, levar o blog a sério, dar a cara pra bater. Tive uma conversar séria comigo mesma e decidi a partir dali que ia enfrentar qualquer consequência que isso tivesse, seja na minha vida profissional, amorosa ou familiar. Era o quanto eu sentia que sem poder me expressar completamente eu estava infeliz.
Por sorte, deu muito certo! Na verdade, as pessoas passaram a me respeitar muito quando comecei a me colocar. Acho que quando é autentico, isso transparece, e as pessoas de identificam de alguma forma.
Então, não sei muito sobre sua criação, mas quando Salvador e eu conversamos, ele mencionou a sexualidade cheia de culpa como uma influência real em sua vida e no que ele escreve. E mesmo em contextos mais liberais, ainda existe muita vergonha nas histórias, e isso, naturalmente, chega a material erótico de qualquer tipo. Dito isto, essa vergonha também é algo para brincar, uma fonte de grande excitação em muitos casos. As normas de gênero são semelhantes, restritivas, mas cheias de potencial sexual. Sem querer soar muito Judtih Butler, mas queria saber o que você pensa a respeito, me conte como essas coisas batem pra você.
Acho que existe algo muito sexy na rebeldia. No desafio à norma. Todos nós, escritores de erótica, somos outsiders no fundo, né. Eu sinto que essa rebeldia aparece no meu desejo porque eu gosto muito de brincar com as barreiras de gênero. Inverter os papéis com um homem, vê-los maquiados, distorcer as expectativas da sociedade… isso tudo me excita muito. E sim, acho que tem a ver com esse desejo de brincar com o que é tabu.
Afinal das contas, sexo ainda é tabu na nossa sociedade, então o tabu acaba sendo a matéria-prima do nosso trabalho. Acho que o ofício de um escritor erótico é pegar este tabu e dar significado a ele, dar a ele uma forma que provoque emoção nos leitores.