Balada da poetisa

Photo by Jackie Tan on Unsplash


Já tive orgulho de dizer
Que eu sou muito romântica
Mas a toada dessa dança
Só me levou a me machucar

Já implorei muito por carinho
Já confundi rosa com espinho
Mas hoje já não vou me dar
Ao luxo de desmanchar

É tão terrível olhar pra trás e perceber
Que as histórias que se tem pra dizer
São de desprezo e não de amor

Já enchi a boca pra falar
Que preferia morrer a não me entregar
Que intensidade era o que tinha pra oferecer
E não tinha medo de amor adoecer

Mas hoje vejo que isso tudo era história
É tão estranho como é fácil se enrolar
No rumo da minha trajetória
Menti pra mim, foi pra me isolar

Encontrei um jeito muito esperto
De me machucar, com um ferimento indireto
Usei o amor como um punhal
E o desprezo de outros como um dano colateral
Fui abissal
Foi abismal
Como eu pude ser tão má comigo
Como me deixei tantos anos de castigo
Dizendo para mim e para os outros que era isso que me fazia especial

Portanto, se agora você quiser ficar
A escolha é sua, pode entrar
Mas saiba que minha alma é toda minha
Que eu já sei que sou acostumada a ser sozinha
E se por um acaso a inspiração não quiser mais me encontrar
Que pena, mas não vou me amargar
Afinal já muito se escreveu sobre a melancolia
Hei de achar algo mais no mundo da fantasia

Trago sua poesia de volta

Melancolia. 

Uma palavra que nos define tão bem.

Queria poder ter te visto só como quando nos conhecemos.

Alguém com olhos cor de pedra de sangue, pele dourada, e que me sutilizava como fazem os jovens, como já diria Alanis.

Mas foi mais do que isso. Muito mais. 

Voce foi um bálsamo para as minhas feridas. Uma árvore frondosa para me fazer sombra e me trazer abrigo quando eu mais precisei. 

Eu queria que você soubesse que poderia acordar mais mil dias com seus beijinhos estalados e seus carinhos preguiçosos, seus olhos de lince brilhando para me dar bom dia.

Eu queria ter conseguido aproveitar mais o seu toque, tentamos tanto nos entregar, queria ter sentido sofreguidão, febre, queria ter me despido a alma. 

Fizemos o que podíamos.

O que dava.

E foi muito.

Já sinto sua falta e você nem se foi.

Mas eu sei que é hora de soltar a sua mão e te deixar partir. O que não tem remédio, remediado está.

Vá levar seus olhos de pedra de sangue para brilhar em outras paragens e outros travesseiros.

Quando nos encontramos, eu estava tão perdida de mim, tão machucada, tão aterrorizada. Fiquei tanto tempo sem me encontrar.

Eu admito que me escondi na sua sombra, com medo da chuva e com medo do sol. Agora eu consigo ver, com clareza, qual foi seu propósito de volta.

Trazer minha poesia de volta.

Laceração

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Fonte: Wattpad

Que loucura isso aqui. Parece que a gente está numa bolha isolada do universo inteiro. O frio na barriga que eu sinto é claustrofóbico. É exaustivo ficar perto de você. Meus nervos ficam tão hiperativos que eu preciso de dias pra me recuperar das ressacas que você me causa.

Parece que o seu toque se encaixa no meu corpo com precisão cirúrgica. Eu estou vendo você me olhar desse jeito como se você achasse que eu sou demais pra você, e quem sabe deve ser mesmo, não é isso que todo mundo acha sempre, então diz. Fala o meu nome. Estala a consoante no céu da boca. Deixa as vogais derraparem nas arestas do seu sotaque. Eu quero ouvir você me chamar, quero ouvir meu nome estourando da sua boca como uma bolha de sabão. Eu quero existir nos seus lábios. Eu quero existir. Eu quero existir nos outros, quero sentir o que eu penso e o que eu sinto faz algum sentido para além dos meus momentos de solidão com a máquina de escrever. Estou cansada de ir, de voltar, de tentar, eu quero me desmontar, eu quero me deixar revirar, eu quero a verdade para além das personalidades inoxidáveis que a gente inventa. Toda história tem sempre dois lados, ninguém é exemplar o tempo todo, não quero ser nada, mais nada, não quero mais nenhum adjetivo chique, eu só quero a invasão do seu beijo febril, a dor do seu toque, todas as filosofias esquecidas no pé da cama. Só você, o meu nome, e as nossas inseguranças, brincando juntas na escuridão.

Vlog: Em defesa dos corações partidos

Nessa semana de dia dos namorados, o tema do vlog é amorrrr. Na verdade, a falta dele. Por que sofrer por amor é considerada a maior humilhação que um serumano pode passar? Porque todo mundo espera que a gente não esteja nem aí para a pessoa que a gente estava namorando até ontem? Em defesa dos corações partidos e do nosso direito de sofrer pelos pés na bunda.

Inelutável

Meu maio veio para me atravessar. Já disse que nunca fui boa em resistir a tentações, e dessa vez não podia ser diferente. Me atropelou e me tirou do rumo, levei horas pra conseguir voltar para a estrada, mas era exatamente isso que eu queria, era exatamente isso que eu precisava, é bom saber que eu ainda estou viva, que minha capacidade de me atirar nas coisas continua a mesma. Só me resta dizer, pode vir, pode entrar, porque eu sempre gostei mesmo é do estrago e eu tô louca pra saber o tamanho do rombo que você vai fazer, pode me bagunçar, se misturar essa sua autodestruição sombria alemã com a minha falta de limites latina o que que dá, eu já nem sei mais se eu estou confundindo paixão com tesão, mas a verdade é que eu nunca gostei de gente perfeita, eu te quero por ser assim, cheio de falhas, egoísta, teimoso, irresponsável, do mesmo jeito que eu sou inconsequente, extremada, contraditória. Já consiguia sentir antes mesmo de começar que Maio vai doer, mas como tudo que é bom na vida, a gente deixa pra lidar com a ressaca depois, e se embriaga mais agora, que se é pra sofrer, melhor sofrer direito.

Vulgar sem ser sexy

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Fonte: Pinterest

Acho que esse clichê sempre caiu muito bem para me definir. Minha relação com minha sexualidade sempre foi conflituosa e difícil – ao mesmo tempo que sempre foi parte importantíssima da minha identidade, lidar com isso nunca foi algo natural pra mim.

Fui criada num ambiente bem repressor sexualmente falando – uma família dominada por homens, extremamente machista. Uma escola dominada por preconceitos, extremamente religiosa. Durante toda a minha adolescência, eu fui uma menina magrela, desengonçada, esquisita. Sempre era a última a fazer tudo – a última a beijar, a última a transar – e ainda assim sempre tive de reputação de fácil ou de piranha, apesar de ter uma vida social inexistente – e de ter certeza de que ninguém nem ao menos se interessava por mim para ter a fama de fácil em primeiro lugar. Lembro de ouvir amigas ficando com carinhas cafajestes, que as enrolavam, as usavam, e enquanto elas choravam as pitangas, sentia uma pontada muito clara de inveja – eu não parecia ser boa o suficiente nem para ser usada.

Apesar de tudo, sentia que meu exterior de extrema timidez e introversão eram completamente incompatíveis com a pessoa que eu era por dentro. Eu sempre fui alguém com a libido extremamente alta – desde que descobri o que era sexo gasto a maior parte do meu tempo pensando a respeito. Minha imaginação fértil sempre compensou minha pouco vivência criando fantasias vívidas e sórdidas. Eu desejava ardementemente poder ser a pessoa que eu era – poder externalizar toda essa minha natureza sexual, conseguir colocar pra fora o que estava por dentro.

Como todas essas questões complicadas de personalidade que a gente tem, foi um processo. Foi no início da vida adulta, aos poucos, que fui começando a me sentir à vontade na minha própria pele para dar vazão à minha personalidade. As roupas, o comportamento, tudo que eu tinha para dizer. Fui tirando os meus filtros, um a um, e revelando toda essa vulgaridade que eu tinha por dentro.

Vejam bem,eu advogo vulgaridade. Talvez porque eu não tenho escolha, e acaba sendo uma autodefesa. Talvez porque  eu ache mesmo que as coisas que a gente faz sem refinamento, sem pensar demais, sem editar demais, são as mais sinceras. Sempre fui alguém de natureza muito intuitiva e é libertador para mim finalmente dar ouvidos aos desejos que urravam por dentro. Tenho bem claro na minha cabeça que não tem nada de errado em ser assim, porque eu simplesmente sou, é algo que vem tão naturalmente de dentro, que não tem razão de não ser.

Porém, nem sempre é fácil. Para ter coragem de ser que eu sou, pago o preço nas minhas interações sociais. Eu consigo sentir as pessoas ficando desconfortáveis ao meu redor – quando eu falo palavrão demais, quando eu sou muito gráfica em descrever minhas putarias, quando eu me abro demais rápido demais. Nessas horas, eu fico pensando que eu queria muito mesmo conseguir ser uma pessoa reservada e discreta. Que tudo na minha vida seria mais fácil se eu não tivesse essa personalidade hiperbólica e dionisíaca.

Na minha vida amorosa, isso se multiplica. Para começar com o óbvio, digamos que #piranhastambémamam. O fato de eu ser uma pessoa sexualmente libertina, ficar com muita gente, ser aberta à experimentar, não significa que eu não me envolva, ou queira apenas sexo. Enfim, é óbvio, mas parece que não pra todo mundo. Me frustrei muitas vezes sentindo o julgamento de pessoas por quem estava apaixonada. Por muitas vezes fui trocada por um tipo tão específico de mulher que isso me criou um complexo.

Sabe aquelas meninas, discretas, dignas, reservadas, com um comportamento quase blasé, que sempre parecem estar acima de tudo isso? Elas se divertem, bebem, mas sem dar PT. Elas sabem rir de uma piada, mas não alto demais. E principalmente, elas são capazes de amar, mas sem exageros. Elas estão sempre nos cantos, cercadas por uma aura de ~mistério. Logo eu, que sempre me faltou indiferença ao que quer que seja, fui me interessar por gente que gosta deste tipo. Nem preciso falar que não tenho chances.

Nessas horas fica difícil continuar no meu propósito de seguir firme sendo a pessoa que eu sou, apesar dos pesares. Lembro de uma briga horrível que tive com um carinha por quem estava apaixonada. Ele me olhou bem no olho e disse:

– Você é uma ridícula, fica falando um monte de putaria e todo mundo está rindo da sua cara e você nem percebe.

Ele basicamente enfiou a botina em uma das minhas maiores inseguraças. Essas palavras me machuram muito, porque tocaram num dos meus maiores medos: De ser ridícula, por ser como eu sou, assim, vulgar, exagerada, extratosfericamente libidinosa.

Estou apredendo a fazer as pazes com a minha natureza vulgar sem ser sexy, simplesmente porque fingir que eu sou outra pessoa é exaustivo. Aprendendo que eu não posso oferecer para as pessoas o que elas gostariam que eu fosse – essa versão mais light de mim. Apenas o que eu sou. E também que se tem gente que vai me reduzir a isso, paciência. Quem é importante para mim sabe que eu sou sim essa pilha de energia sexual – mas também muito mais do que isso.

Por fim, talvez eu seja sim ridícula, e seja incapaz de não continuar agindo de maneira ridícula. Vou continuar usando roupas estupidamente curtas para a minha idade, ficando com todo mundo que der vontade, falando – e escrevendo! – todas as barbaridades que passam pela minha cabeça. Pelo menos hoje em dia eu consigo dizer que sou muito mais quem eu sempre quis ser – e por enquanto está bom.

Espiral

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Fonte: Tumblr 8tracks

Tá frio, tá frio pra caralho, mas eu não sinto mais nada, as pontas dos dedos dormentes enquanto você abre a minha boca e despeja mais Jägermeister. Essa situação é ridícula, e talvez nós dois estejamos velhos demais para estarmos bêbados nos beijando em cima do capô de um carro qualquer, minha calça grudada na neve e no metal. Mas foda-se também, eu sempre odiei tudo que é morno e prefiro estar assim, prefiro os seus beijos trôpegos, minha personalidade dionisíaca se encaixa tão bem na sua, talvez seja destino que vagabundos acabem se esbarrando nos cantos do mundo, talvez nós só estejamos nos recusando a crescer, mas eu adoro ser assim toda pequenininha pra minha cintura caber direitinho nas suas mãos, tem horas que me dá vontade de te engolir, tem horas que me dá vontade de correr que essa loucura toda só pode acabar quando eu me machucar mas foda-se, foda-se, foda-se, eu tô tão bêbada e você também, despeja mais álcool na minha boca, me dá um banho, me leva pra casa, arranca minha roupa, me come até a gente desmanchar na minha cama.

***

A gente entrou na banheira de roupa e tudo, e quando eu olho no espelho parece que meu coração tá batendo dentro do meu crânio, essa cidade, essa cidade é a cidade do pecado, eu vim aqui pra me perder, e enquanto você olha pra mim com essa cara de quem mal consegue focar aquela música vem na minha cabeça, I just wanna turn the lights on, in these volatile times… Mas tá certo, eu queria ser livre, e eu estou sendo livre, é que liberdade é uma coisa perigosa, ainda mais pra gente como eu, mas tá tudo certo, eu tô tão descolada da pessoa que eu fui que eu acho que ela não volta nunca mais e isso é bom, ela tinha medo, e eu não tenho mais medo de nada, então vem, turbilhão por turbilhão a gente se neutraliza, se for pra doer deixa doer com força, se a cidade é fria e o inverno é longo, vamos incendiar essa porra toda com gasolina e autodepreciação, até não restar tijolo sobre tijolo.

Até eu me acabar.

Até a gente acabar.

Até a onda quebrar, arrasar e ir embora, pra eu arrumar a bagunça depois.

Entre o sempre e o nunca

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Quase chorei no meio da aula quando cheguei naquela parte do livro que você me recomendou em que o Elio deixa o tal bilhete para a sua paixão, o Oliver, dentro de um livro. Zwischen Immer und Nie. Você me falou isso, e eu não tinha entendido. Achei que era só uma frase em alemão. Só fui entender quando cheguei nessa cena filha da puta. Meu coração deu um nó.

Mas foda mesmo foi quando eu cheguei na parte em que o Elio visita o Oliver em Nova York, muito anos depois do romance de verão deles. Lembra? O Oliver está casado, tem filhos. O Elio não. Fiquei me perguntando se vai ser assim com a gente. Minha imaginação excessivamente fértil logo pintou um cenário pronto. É tão fácil para mim imaginar todos os detalhes.

Consigo enxergar direitinho, você vivendo numa cidade do interior, numa casa térrea, com uma decoração em cores quentes, pendendo para o laranja, totalmente descoordenada e genérica do jeito que você sabe que eu detesto. Você não liga para isso, nem a sua companheira. Ela tem um jeitinho doce e desencanado, rosto de traços simpáticos, um estilo meio hippongo. Vocês têm dois filhos. Eles entram e saem da sala para o quintal aos gritos, brincando de pega. A casa é cheia de livros e cheia de janelas emperradas, maçanetas quebradas, e paredes infiltradas que vocês dois nunca se preocuparam em consertar.

Nesse futuro paralelo, quando eu chego para visitar, contrasto com tudo na sua vida. E como a porra da imaginação é minha e pelo menos alguma vantagem tem que ter, estou muito bem, obrigada. Bem sucedida, bem comida, bem viajada. Uso jeans colados no corpo e salto agulha, conto de todas as coisas que ando fazendo, o meu mundo é imenso. Aí sentamos os três naquela sala, o passado tão distante do presente, que nem naquele clipe da Gwen Stefani.

Nessa hora, me perguntei se seria assim, ou se vai ter algum capítulo mais próximo na nossa história. O pior é que antes de você eu nunca nem quis estar com ninguém. Nem conseguia me imaginar em um relacionamento assim antes de você. Não podia imaginar que era possível ser tão eu mesma ao lado de outra pessoa, sem ter que editar nada, nada, da minha personalidade.

Nem podia imaginar que eu ia encontrar tanto de mim em você. Ah, se as pessoas soubessem que por trás dessa sua máscara de bom moço, tem tanta coisa que você esconde. Você sabe que eu te conheço de verdade. Eu sou assim toda errada, toda estragada, mas você também é. Nos reconhecemos um no outro. Tipo um Namastê ao contrário, a sombra que habita em mim saúda a sombra que habita em você.

Conheci esse seu jeito depravado, egoísta, sombrio, corrompido e me apaixonei por ele. Você não é perfeito, e eu não sou nem nunca fui. De repente era um alívio saber que com você eu tinha segurança pra gente se trancar no nosso mundinho em que a moral era colocada de cabeça para baixo, os limites se dissolviam, a selvageria era bem-vinda. Mas acabou e assim é, não há o que se possa fazer, existe muito pouco que pode ser dito, menos ainda que pode ser feito, vivi a vida inteira muito bem sozinha, eu e minhas sombras, e assim vamos ter que aprender a seguir.

Mas a sua doçura e barbárie, a sua versão para todos e a sua versão só para mim são coisas que ninguém vai me tirar. Vou levar comigo, para lembrar que um dia, a gente existiu. E em algum lugar vamos continuar sempre existindo: Entre o sempre e o nunca.

Peixes

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Cheguei atrasada no bar, toda esbaforida e descabelada, perguntando se ele estava esperando há muito tempo. Ele abriu um sorriso que parecia ter 85 dentes e respondeu que não, que eu podia ficar tranquila. O timbre da voz dele era doce e sereno, e quando nos sentamos eu já tinha esquecido todo o estresse da correria.

Conversamos por horas. Sobre tudo, sobre a vida, sobre os planos. Drink depois de drink depois de drink, e eu perdi a conta de quantos foram. Ele tinha um olhar tímido, o sorriso aparecia às vezes, os olhos cor de mel procurando o teto quando ele lembrava de alguma coisa particularmente especial. Conversar com ele era uma experiência sinestésica: Ele não contava que fez isso ou aquilo. Ele falava das sensações, das impressões, do vento que batia à noite quando ele cruzava o rio Amazonas de barco, ou do sol nas andanças pela América Central. Muitas vezes, eu senti como se também estivesse lá. Ele me levava com as palavras.

Não tocou em mim a noite inteira. Tenho certeza que no fim da noite eu já estava dobrada em cima da mesa, desmontada, alcoolizada e irremediavelmente atraída. Mas ele continuou a conversa sem nenhuma tentativa séria de me beijar, embora eu tivesse notado que ele não tirava os olhos da minha boca. O bar fechou e nos expulsaram. Saímos andando pelas ruas, ele comentou que ia para o bairro vizinho ao meu, e eu que já estava sem filtro há muito tempo, fiz o convite para que ele fosse para a minha casa.

Quando ele finalmente me beijou parece que fui sugada por um rodamoinho. As mãos dele contornavam o meu corpo como se quisessem memorizar cada detalhe. Quase tive um treco quando desabotoei sua camisa e descobri um mosaico de tatuagens coloridas cobrindo o peito do cara tímido. E essa não foi a única surpresa. Eu, que sempre fui muito dominante na cama, me vi de repente completamente submissa, a mercê, sem saber o que fazer. Ele me dominou totalmente, não se impondo agressivamente, mas me fazendo incapaz de pensar com beijos torturantes no meu corpo inteiro, mãos que sabiam exatamente como tocar, apertar, envolver. Fui adorada dos pés a cabeça, dos lados, do avesso.

Transar com ele também foi uma experiência sinestésica. Meus sentidos se fundiram num só. Ele gastou horas nas preliminares, completamente devoto em me fazer gozar uma, duas, três vezes, e quando finalmente estava dentro de mim, todos os meus nervos pareciam estar conectados. Eu ouvia ele sussurrar desperado no meu ouvido que aquilo era tudo que ele queria, era tudo que ele precisava, e não conseguia ficar quieta. Em certo momento ele disse, “mas e a sua roommate?” e só rosnei um “foda-se”, por que isso lá é hora pra ser altruísta?

Não sei quando dormi. A impressão que tenho é o sexo se misturou com o sono, e nunca acabou. Quando acordei,  envolvida por ele por todos os lados, disse que precisava levantar, ou iria chegar atrasada no trabalho. Ele disse que não queria me atrasar.

Mas me atrasei.

Fumaça

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Hoje eu enterrei você. É aquilo, as coisas doem até não doerem mais. Talvez eu ainda tenha recaídas. E eu me dou o direito de sentir sua falta, seja sem motivo, seja quando alguma coisa me lembrar de você, seja quando eu queria te contar coisas, ouvir sua opinião, sua risada. Acho que doer vai doer sempre, mesmo que seja só um pouco, mas assim é, um dia eu acordei e percebi que você tinha virado uma memória, um capítulo que acabou.

Eu não me arrependo de nada. Acho que nunca fui tão franca e sincera com os meus sentimentos. Acho que nunca tinha me entregado assim tão completamente. Não me arrependo de nada que eu fiz, porque foi tudo de verdade, foi tudo de coração, foi tudo de peito aberto. Eu fui genuína, fui fiel aos meus desejos, e me permiti sentir coisas boas, e querer coisas boas, e viver isso sem anestesia, do começo ao fim. É claro que tem coisas que eu gostaria que tivessem sido diferentes, mas acho que a gente estava tentando fazer o melhor que podia, e nos viramos como deu.

Eu fui fundo, e foi porque foi importante. Tudo bem a gente se estilhaçar às vezes, tem horas que a bússola quebra mesmo, e eu já me perdi por muito menos, é claro que ia me perder dessa vez, sendo que eu nunca tinha sido amada dessa maneira antes, nunca tinha sentido tanta afeição e aceitação, então é claro que a abstinência ia ser de enlouquecer, foda-se quem não entende, eu sou assim, as coisas pra mim funcionam desse jeito, não me arrependo de experimentar tudo em detalhes, os bons e ruins.

Doeu, doeu mesmo, doeu de verdade.

Mas agora eu saí mais uma vez inteira do outro lado. E a vida continua lá fora.

E agora eu estou aqui com uma taça de vinho, vendo a neve cair na janela, assistindo um filme ruim e quando eu encho os pulmões de ar sinto uma paz tão gostosa de saber que tudo que eu passei foi incrível.

Tudo que está por vir será melhor ainda.