Costumo dizer que eu estava num casamento longo e bem sucedido com São Paulo. Mas depois de oito anos, apesar de o amor não ter acabado, eu precisava explorar outras coisas, viver outras experiências. Numa viagem a passeio, me apaixonei perdidamente por Berlim. Decidi largar tudo para viver esse amor.
Mas essa é a versão curta da história.
Na verdade, ela começa em 2014. Na época, eu tinha acabado de sair de um relacionamento muito destrutivo, estava prestes a terminar um contrato de trabalho, confusa e sem saber qual seria o próximo passo. Eu e uma amiga marcamos de ir ao cinema ver Praia do Futuro, lançamento um dos diretores que mais gostamos – Karim Ainouz. Dois dos nossos amigos tinham trabalhado na produção, e além disso somos muito fãs do Wagner Moura, então não tinha como não ir. Mas não imaginava que ia sentar na cadeira e aquele filme ia se tornar o meu preferido.
Sempre gostei de filmes cheios de diálogos, com tiradas rápidas. Praia do Futuro me encantou justamente pelo silêncio e a capacidade de dizer muito sem dizer quase nada. Me identifiquei completamente com o personagem do Wagner, o Donato. Uma pessoa que precisou ir para outro lugar para se encontrar – como tinha acontecido comigo em São Paulo – e que acaba se encontrando se jogando de cabeça em paixões passageiras. Saí do cinema maravilhada, mas o fato da história se passar em Berlim para mim era apenas um detalhe até então.
A cena da briga se passa no Tiergarten – Meu parque preferido aqui em Berlim e lugar que eu visitei em 2015
Vamos então para 2015. Eu estava empregada, as coisas estavam caminhando. Só que eu começava a sentir que estava ficando enraizada demais na minha vida. Sempre tive vontade de morar em outro país, viver outras experiências, ver o mundo. Nunca quis ser uma pessoa que entra de cabeça na carreira logo após se formar na faculdade. Eu estava sentindo que aos poucos isso ia acontecendo comigo. Eu não sentia mais que era eu mesma. Não conseguia mais escrever, minha criatividade tinha secado. Eu sentia que precisava ser livre de novo, criar de novo, ter mais uma chance de aproveitar a minha juventude do jeito que eu sempre quis. Estava juntando dinheiro, sem saber bem qual era o plano.
Tinha uma viagem marcada para a Europa. Sempre tive vontade de ir, e era um sonho que estava realizando. Estava praticamente tudo acertado e Berlim não estava na lista dos destinos. Só que Zurique – uma das cidades pelas quais eu pretendia passar – começou a me parecer cara e complicada demais. Os preços eram absurdos, eu ia ter que trocar dinheiro, teria que valer muito a pena. Uma amiga que já conhecia Zurique disse que não tinha tanta coisa assim para ver e me aconselhou a ir para outro lugar. Eu já estava com o roteiro da viagem praticamente todo montado, e não sabia por qual outra cidade queria passar… Até que lembrei que Praia do Futuro se passava em Berlim. Mandei uma mensagem para o amigo que tinha trabalhado no filme, descolei a lista de locações e decidi: Iria para Berlim, visitar os lugares por onde os personagens do meu filme preferido tinham passado.
Assim fiz. Visitei as locações do filme numa passagem meteórica por Berlim. E me apaixonei. Eu me lembro inclusive do exato momento em que isso aconteceu. Eu já estava encantada com a paisagem cinza, urbana, cheia de grafites. Já estava balançada de ver tanta gente diferente convivendo junto. Era como a minha São Paulo, que eu tanto amava, só que nova. Mas decidi que era isso mesmo que eu queria quando saí de uma balada e o dia amanhecia. A balada tinha sido uma bosta (dica de amiga: Não vá no Matrix em Berlim) e eu estava com a energia meio baixa, me sentido meio mal. Sentei no trem para voltar para o hostel e uma hora, ele passou por cima do Spree. Eu olhei a cidade cinza no friozinho da manhã, e de repente, fiquei bem. Era uma sensação que sempre acontecia comigo em São Paulo, e para mim foi um sinal de que Berlim e eu tínhamos uma conexão especial.

Estava decidido. Voltei para o Brasil, me matriculei numa aula de alemão, comecei a juntar ainda mais dinheiro, e procurei meios de conseguir vir pra cá. Achei um mestrado que me interessava, em inglês, e ainda por cima de graça. Fui atrás de toda a papelada. Fiz o processo seletivo. Passei.
E assim, para encurtar um pouco a história, em setembro de 2016, eu vendi todas as minhas coisas, reduzi minha vida a duas malas, pedi demissão, me despedi dos meus amigos e da minha família e parti rumo a um amor à primeira vista, esperando que valesse a pena.

Mas aí, vou ser sincera com vocês. O começo não foi nada fácil. Quando eu saí de Belo Horizonte, aos 18 anos, para me mudar para São Paulo, nada me prendia lá. Sair de São Paulo foi completamente diferente. Eu tinha uma vida que eu construí, e eu amava. O choque foi grande. De repente eu estava sozinha num lugar em que não conhecia ninguém. Senti falta de tudo. Dos meus amigos, do meu apartamento, de sentir que pertencia a algum lugar.
Eu também tive que terminar um relacionamento que estava no auge para vir para cá. Mas isso é outra história, que talvez eu conte um dia.
Por fim, quebrei meu braço num incidente maluco, e isso deixou minha vida muito mais difícil. A solidão, a falta de independência e o frio do inverno pesaram demais. Fiquei mal, em muitos momentos. Quis desistir. Quis voltar. Tive medo de ter tomado a decisão errada. Que tipo de pessoa maluca faz o que eu fiz? Pelo menos em casa eu teria a companhia das pessoas que me amavam.
Fiquei muito em dúvida. Houve momentos em que eu cheguei a me dizer, “só até semana que vem”. Mas aí os dias foram passando. Eu fui conhecendo pessoas. As coisas foram acontecendo. E de repente, eu tive certeza de novo que essa foi a MELHOR decisão que eu poderia ter tomado.
Uma das coisas que eu mais queria vindo para cá, tem relação com esse blog. Eu queria ser criativa de novo, queria me sentir inspirada, queria me sentir eu mesma. Mais do que isso, queria te coragem para falar das coisas que sempre quis falar, da maneira que sempre quis falar, sem medo das consequências. Hoje em dia, quando eu olho para o tanto que produzi desde que cheguei aqui, eu fico feliz demais. Pode não ser nada, pode ser que poucas pessoas leiam. Mas eu saber que posso me expressar me faz sentir que a minha criatividade nunca tinha ido embora de verdade. Ela só estava adormecida.

Mas mais do que isso. Hoje eu estava voltando para casa, andando na rua, observando as luzes dos postes numa rua comprida e bem iluminada.Estava cheia de gente. Tinha um cara tocando a trilha sonora do Rei Leão num clarinete. E eu senti uma certeza absoluta: Eu estou exatamente onde deveria estar.
Pode parecer piegas, mas relendo esse texto e lembrando de como tudo aconteceu, chorei. Não escute meus conselhos, eu sou uma pessoa um pouco inconsequente. Mas eu recomendaria largar tudo por uma paixão, como eu fiz, para qualquer pessoa.