Como superei (ou quase) o medo de avião

WP_20150520_001

Contei aqui para vocês como estava sendo tentar me livrar da minha síndrome do pânico e das fobias paralisantes que estavam atrapalhando minha vida. De lá pra cá, um intenso trabalho na terapia me fez melhorar imensamente, de um jeito que hoje eu me considero praticamente curada de uma das fobias mais fortes que já tive e que me fez procurar o tratamento. O medo de voar. Eu aconselho pessoas que tenham o mesmo problema a procurar tratamento também, e não pretendo fazer um manual de como se livrar de algo tão sério. Quero apenas compartilhar minha experiência, porque quem sabe assim, consigo ajudar alguém.

Eu nunca tinha deixado de entrar num avião por causa do meu medo, embora algumas vezes passei tão mal que me perguntava se era saudável me forçar a passar por aquilo. Em voos longos, eu ficava horas sem mudar de posição, com o coração acelerado e corpo em alerta máximo. Era extremamente desgastante. Durante os primeiros meses da terapia, evitei voar. Acho que se eu tivesse que pegar um avião, pegaria, mas não surgiu nenhuma situação do tipo e eu aproveitei para “descansar a mente” e trabalhar nos meus medos em terra mesmo, para estar mais preparada para o enfrentamento, quando ele viesse.

Bom, ele chegou numa oportunidade imperdível de ir para Nova Iorque. Nove horas num avião fazendo uma rota que eu conhecia bem, mas nem por isso parecia menos assustadora. Àquela altura, me sentia muito melhor da minha necessidade de controlar tudo mas eu não tinha ideia de como iria enfrentar. Disse para a minha terapeuta, dias antes do voo: “Não tenho ideia de como vou fazer isso”. Mas acho que no fundo, eu tinha sim.

É importante querer não sentir mais medo

Eu acho que sempre acreditei que se eu prestasse atenção em tudo e ficasse em alerta máximo, poderia controlar o que acontecia ao meu redor. Quando chegou o dia da minha viagem, eu estava sinceramente muito cansada do processo que tinha que passar para voar e queria muito que isso mudasse. Acho que tinha raiva das pessoas não entenderem que não era frescura minha, o meu medo era real, e me apegava a senti-lo, como que pra provar que era de verdade. De repente eu entendi que embora fosse muito frustrante não ter a compreensão necessária de quem está ao seu redor, eu só podia contar comigo mesma lá em cima para a minha experiência não ser um completo inferno.

Então, pela primeira vez, eu me permiti distrair. Assisti filmes, ouvi músicas, relaxei na cadeira. Não consegui dormir. Fiquei tensa  o tempo todo, mas nada comparado a antes. E quando estávamos aterrissando, vi o sol nascendo brilhando nos prédios de Manhattan e foi tão lindo, que eu senti que foi uma espécie de recompensa pelo meu esforço em não deixar o medo vencer.

No voo de volta, estava muito cansada e acabei dormindo o tempo inteiro, não vi nada. Mas ainda tinha ficado bem nervosa no dia anterior. Voltei me sentindo muito bem comigo mesma mas sem saber se eu conseguiria repetir a boa experiência o futuro.

Algum tempo depois, consegui comprar passagem para a minha viagem dos sonhos pela Europa e estava diante do meu maior desafio: Seria praticamente um voo a cada dois dias, mais um voo longo de ida e outro de volta, numa rota que eu não conhecia e tinha ouvido falar que era muito turbulenta.

A essa altura, o avião já não era mais meu foco como antes. Estava animada planejando a viagem e não concentrava toda minha energia nisso. Estava com medo, mas ao mesmo tempo, queria testar se seria capaz de me acalmar outra vez. Quando eu entrei no avião, olhei as pessoas e os comissários de voo falando alemão, eu comecei a rir, porque ainda não tinha ideia de como ia passar por aquilo.

Eu lancei mão de todos os dispositivos que tinha usado na viagem anterior, e foi ainda mais tranquilo. Fiquei tensa nas primeiras horas de voo mas consegui dormir depois – mais porque estava desconfortável do que por estar com medo. Não vi nenhuma turbulência forte e estava muito mais relaxada quando acordei.

Dali pra frente, só foi ficando mais fácil. Eu tive sorte – a maior parte dos voos foi tranquila e sem turbulências e eu estava sempre tão cansada que acabava dormindo em toda viagem. Só em um fiquei mais nervosa – teve uma turbulência forte. Mas eu senti que a apreensão era geral e mesmo assim consegui me controlar – fiquei com medo como todo mundo dentro do avião, mas não deixei isso sair do controle.

No voo de volta, eu me senti muito bem. Não passamos por nenhuma turbulência forte, eu fiquei relaxada a maior parte do tempo, dormi, assisti filme, comi como qualquer pessoa faria. Eu aterrissei me sentindo outra pessoa.

Uma semana depois, peguei mais um voo curto para visitar minha família. E na hora da decolagem, sempre a mais tensa pra mim, eu não deixei os pensamentos trágicos tomarem conta. Repeti “vai dar tudo certo” e quando os trens de pouso deixaram o solo eu não senti uma gota de desespero – só alívio e uma sensação gostosa de estar indo para outro lugar.

Chegar nesse ponto não foi fácil. Existe uma combinação de fatores que permitiu que isso acontecesse.

Confie nos seus dispositivos

Um dos meus maiores medos era não conseguir controlar o meu pânico dentro do avião, não saber como, não ser capaz de me acalmar. Isso melhorou muito quando eu descobri que tenho dispositivos que posso lançar mal para tornar o voo mais tranquilo. Quando penso nisso, penso logo em seguida que já sei o que fazer para dominar o meu medo e isso me faz entrar no avião muito mais confiante. O primeiro dispositivo que eu uso é a respiração. Parece balela, mas ela ajuda o seu cérebro a parar de mandar alertas de perigo para o seu corpo, além de trazer o seu foco para algo além do medo. Como eu acho difícil me concentrar, faço tampando uma narina, contando 5 segundos, segurando o ar por mais 5 e soltando pela outra narina ao longo de outros 5. Nos primeiros voos, fiz isso enquanto o avião taxiava e durante toda a decolagem. E toda vez que o alerta de apertar os cintos era acionado, eu começava antes mesmo de o avião balançar. Assim na hora que a turbulência chegava, meu corpo estava mais sereno e eu conseguia pensar com clareza que aquilo ia passar. Outros dispositivos são ver filmes engraçados, colocar auriculares para bloquear ruídos, enfim, qualquer coisa que eu sei que será capaz de me distrair.

O seu lugar importa

Não é a toa que a primeira classe fica na parte da frente do avião. Essa é a área mais silenciosa e que menos balança de toda aeronave. Se pra você os barulhos da turbina são assustadores, quanto mais na frente, melhor. Sugiro sempre fazer o check-in assim que a companhia aérea permitir e pegar o assento mais próximo da frente possível.

É importante estar confortável

Vai ser difícil relaxar se a roupa estiver incomodando, se o sapato estiver apertado e, principalmente, se você estiver com frio. Essas coisas atrapalham quando a gente quer dormir em voos longos. Esteja preparado e o mais confortável possível, para que estes detalhes não te mantenham desnecessariamente alerta durante o voo.

Pense em coisas boas

É impressionante a capacidade da minha mente de fabricar imagens horríveis que entram completamente formadas na minha cabeça. Eu não formulo esses pensamentos, eles aparecem já inteiros. É bem difícil evitar, porque eles são repentinos, mas o importante é não deixar a coisa crescer. Toda vez que eu penso alguma coisa horrível, penso logo em seguida “vai dar tudo certo”, incisivamente e uso toda a minha força de vontade pra pensar em outras coisas.

Distraia-se

Leve um livro que você gosta, um joguinho viciante, uma música que você adora. Qualquer coisa que seja REALMENTE capaz de prender sua atenção em situações tensas.

Fazendo todas essas coisas, hoje em dia eu posso dizer que se eu tiver que pegar um voo de 30 horas agora mesmo, não será um problema pra mim. E isso é libertador. Agora eu não passo meu tempo pensando em como vou conseguir enfrentar o deslocamento. Penso na viagem e no que farei quando chegar lá. Não existe fórmula mágica. Eu sei que ainda vou ter momentos de medo, vou ficar tensa em determinadas situações, posso ter recaídas. Por isso o “quase no título”. Mas o importante é que agora eu tenho uma série de ferramentas para lutar contra esse medo, e isso me torna capaz de vencê-lo toda vez que ele quiser voltar.

É importante lembrar também que andar de avião é muito seguro. E que sim, apesar de improvável, pode ser que uma tragédia aconteça durante um voo meu, mas, no fim das contas, acho que a coisa mais importante que aprendi neste processo foi que o medo excessivo não vai impedir que coisas ruins me aconteçam, mas pode sim me impedir de viver coisas incríveis. E diante disso, não resta outra escolha a não ser me lançar.

O Pânico, esse incômodo inquilino

Image

 

O Pânico esteve presente na minha vida desde que eu era pequena, de duas formas. A primeira, era a severa síndrome do pânico da minha avó. Ela a debilitava e a limitava de todos os modos; eu ouvi desde pequena, que “vovó não pega avião”, “vovó não pega estrada”, “vovó não fica sozinha”, “vovó não gosta de multidão”, “vovó não pode com elevador”. O pânico dela era um transtorno para ela mesma e os filhos, e muitas vezes ela deixava de fazer coisas que queria e gostava porque o medo a impedia. Lembro bem de ela me perguntar, quando eu era bem pequena, se eu sentia medo das coisas, de viajar, de morrer. Eu disse que não e ela me olhou com muita inveja; “tomara que seja pra sempre assim”. Minha avó morreu de morte morrida e tendo medo de tragédia a vida toda, viveu além dos noventa. 

O medo porém, teve uma forma muito definida na minha vida desde que eu me entendo por gente: Minha motefobia. Ou seja. Fobia de borboletas. É, borboletas. Aquele bicho que todo mundo acha lindo? Pois é, foi pra mim a maior fonte de pavor a minha vida inteira. E embora ele seja até hoje, o maior medo que eu tenho, aquele que jamais consegui enfrentar, vivi bem com ele durante a infância. A vida era boa, desde que não houvesse borboleta por perto e assim foi por um bom tempo.

Mais tarde, sorrateiramente, o Pânico começou a se infiltrar em outros setores da minha vida. Foi quando teve início a minha segunda grande fobia: O medo de andar de avião. Algo que talvez eu nunca tivesse sido muito simpatizante, mas de repente, começou a ser um problema. Um problema tão grande que hoje chego a ter crises de choro, vômito, quase desmaiar e até gritar de medo dentro de um avião. Na adolescência, comecei a conhecer a terrível sensação do descontrole do desconhecido. Ver uma ambulância ou um carro de bombeiro correndo na rua era ter a certeza de que a emergência era na minha casa, e alguma tragédia estava acontecendo com alguém que eu amava. Ficar longe da minha cadelinha era um pesadelo; passei noites em claro imaginando que coisas terríveis poderiam estar acontecendo com ela longe da minha “proteção”.

 

De lá pra cá, tive altos e baixos. Momentos muito bons em que me senti totalmente curada do meu medo e momentos totalmente paralisantes. Em alguns períodos sair de casa pra mim era um problema. O problema é que ter Pânico é como ter um inquilino infernal dentro da sua mente; alguém que vai te fazer desconfiar do que você vê, escuta, das pessoas queridas, de tudo. Porque não importa quantas vezes você berre dentro da sua cabeça “CALA A BOCA ESTÁ TUDO BEM” ele grita duas vezes mais alto “NÃO ESTÁ E VOCÊ VAI SE FERRAR SE NÃO ME ESCUTAR”. Ele vai tomando conta da sua mente e distorcendo a realidade. Conviver com o Pânico é: O problema é ir de A para B, quando eu chegar em B, vou estar segura. Mas aí, chegando em B, você precisa chegar em C para estar segura de verdade. E assim infinitamente.

Claro que ajuda muito ter tanta divulgação das tragédias mais horrendas todos os dias. Isso ajuda a alimentar a minha imaginação que gasta horas e mais horas imaginando os piores cenários, as piores torturas pra mim e para aqueles que são importantes pra mim. Às vezes penso que toda a minha criatividade está sendo sugada e canalizada para me torturar, e não sobra quase nada para criar.

O inquilino usa minha criatividade para deturpar a realidade, muito racionalmente e dizer pra mim tin-tin por tin-tin porque uma desgraça está prestes a acontecer. Quando isso acontece, eu entro em crise. Tenho um ataque de pânico e saio totalmente do controle do meu corpo. Entro em modo de sobrevivência, alerta máximo. O Pânico diz pro meu cérebro que a situação é de vida ou morte – e ele acredita. Suor, respiração rasa, um desespero tão absurdo que às vezes eu desejo apagar porque é insuportável sentir tanto medo. E todo mundo à minha volta fica me olhando com uma cara de incógnita, porque, obviamente não existe perigo nenhum e quase sempre está tudo bem mesmo. Só que a minha cabeça grita “PERIGO”. Eu crio um cenário de horrores na minha cabeça. E ele é real. É totalmente real pra mim. É essa a parte que as pessoas não entendem. Pra mim, o que eu criei é a verdade mais absoluta, é assim que eu sinto. Aquele barulho na turbina É um problema e o avião VAI cair a qualquer momento. Pro inquilino, a certeza é tão sólida, é tão concreta que não existe espaço para a dúvida.

Image

Depois da crise, num lugar seguro, o alívio é tão grande que eu poderia chorar – e às vezes choro mesmo. Desse modo, atividades absolutamente corriqueiras para todo mundo – pegar um táxi, viajar, ir num show lotado – acabam se tornando verdadeiras lutas pela vida pra mim. As pequenas coisas são um grande feito. “Matar um leão por dia” tem um significado bem diferente quando se tem Pânico.

Demorei para identificar a extensão do meu problema. Porque tanta gente vem dizer “ah, mas que bobagem”, que você tenta se convencer de que é bobagem. Só que não é bobagem. O Pânico te paralisa. Meu maior medo, é claro, é que ele me paralise de  vez. É deixar de fazer as coisas que eu gosto, que eu sempre amei fazer por causa dele. É que eu não saia mais de casa, deixe de cuidar da minha vida, deixe de ser uma pessoa independente por causa dele.

 Image

Houve um tempo na minha vida em que conviver com a incerteza e o desconhecido era muito fácil. Hoje, é uma batalha constante. Mas para mim, o primeiro passo é reconhcer que tenho um problema grave, que precisa ser tratado e precisa ser respeitado. Ignorá-lo nunca ajudou em nada. 

Eu já cansei de conviver com esse inquilino. A energia que eu gasto para me proteger dos inimigos que ele cria pra mim é grande demais. Eu é que estou pagando esse aluguel, e ele é muito alto. Pesa nas minhas relações, na minha saúde, na minha vida em geral. Quero despejá-lo o quanto antes, pra ontem.

Mas isso não é fácil. Bem que eu gostaria de terminar esse texto com uma frase bem otimista e dizer que está tudo bem, mas infelizmente, por enquanto ele está ganhando. Talvez eu nunca vença – os inimigos que estão dentro da gente sempre são os mais difíceis de vencer. Mas estou sim otimista. Venho tentando técnicas que podem me ajudar – terapia, meditação, yoga. Escrever esse texto também foi uma delas. E se você sente a mesma coisa, comente. Vamos conversar. Duas cabeças pensam melhor do que uma.

 

Quem sabe um dia eu encontro a solução? Prometo que escrevo outro texto, contando.